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Do Rovuma a Maputo: Afinal, com quantos “paus” se constrói o caminho de uma nação

Hermenegildo Langa
28/10/2025
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Foto:
DR

O arranque do projecto de reabilitação da N1 foi inicialmente marcado para Setembro de 2022, num investimento de 850 milhões de dólares. Três anos depois, o valor foi revisto para 3,5 mil milhões.

“Uma estrada de qualidade é o caminho para se traçar o desenvolvimento de qualquer nação”, assim diz-se em adágio popular. Este ditado, por mais que seja universal, espelha o actual cenário que Moçambique vive: o problema das vias de acesso, em particular a Estrada Nacional Número 1 (N1), que liga o país do Rovuma a Maputo e do Zumbo ao Índico. Há três anos, aquando do anúncio de reabilitação desta, o governo moçambicano estimava em um valor total de 850 milhões de dólares, que mais tarde foi revisto para 3,5 mil milhões. Ainda assim, a promessa vai-se desmoronando e os problemas pioram a cada ano. E a questão é: quantos dólares são necessários para reconstruir estas linhas de desenvolvimento?

São quase 2620 quilómetros de estrada que o país possui só pela N1. Destes, mais de 80% estão degradadas, necessitando de uma reabilitação urgente devido ao seu alto nível de degradação, factor constrangedor para o desenvolvimento do país, a vários níveis. Ainda assim, esta reabilitação tarda por falta de financiamento, pois pelas contas feitas pelo governo de Moçambique, através do Fundo Nacional de Estradas, actualmente são necessários um total de 224 mil milhões de meticais (pelo menos 3,5 mil milhões de dólares).

Em Moçambique, falar da N1 é mesmo que falar de um problema sem solução à vista, pois há muito tempo que os operadores rodoviários assim como empresários que no ramo de transporte reclamam pela degradação da via, no entanto, nada mudou. Os buracos na rodovia moçambicana são tão incontáveis que a parte asfaltada.

Com a época chuvosa que iniciou recentemente, devendo prolongar-se até Março de 2026, os buracos ao longo da via ficam ainda mais destapados, denunciando a triste realidade e o quanto é difícil viajar pela via terrestre no país. Só para se ter ideia, uma viagem de Maputo a Beira (província de Sofala), de aproximadamente 1200 km, chega a ser feita actualmente de dois a três dias contra o normal de um dia e meio. 

Estrada N1

Operadores frustrados

Os operadores rodoviários são quem sentem na pele os problemas de circulação na N1, pois o seu negócio tem como base a N1 para o transporte de pessoas e bens. No entanto, a tarefa não tem sido fácil. Os problemas vão desde as manutenções incontáveis das suas viaturas, perda de tempo devido às dificuldades de circulação, ...e até acidentes em piores cenários.

À Revista Economia e Mercado (E&M), o presidente da Federação Moçambicana dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO), Castigo Nhamane, afirma ser “deplorável” circular pela N1, destacando que o negócio de transporte de passageiros e bens tornou-se hoje em dia insustentável em consequência dos danos incalculáveis provocados pela degradação da maior parte de estrada.

“É um martírio fazer o negócio de transporte de pessoas e bens por via terrestre em Moçambique. Não existe neste momento no país uma parte de estrada que digamos que possui condições mínimas de circulação. Só em um mês não sei quantas vezes somos obrigados a fazer manutenção das viaturas e mesmo assim o tempo de vida dessas viaturas torna-se muito reduzido”, considera Nhamane que é também empresário no ramo de transporte rodoviário.

O mesmo sentimento é partilhado pelo empresário Felix Machado, que actua no ramo de transporte e logística. “A rede de estrada no país não apresenta, neste momento, condições mínimas para circulação. É preciso que o Governo veja esta situação com muita urgência”, apela Machado.

Segundo o empresário, apesar de Moçambique desempenhar um papel estratégico por possuir um corredor logístico que sirva de escoamento de mercadorias para os países do hinterland na região austral, esse potencial continua a ser subaproveitado devido à ausência na qualidade das vias de acesso. “Há mercadorias que acabam se deteriorando ainda na estrada, porque ficam mais tempo na via antes de chegar ao destino por dificuldades de circulação. E quando isso acontece, são prejuízos para os transportadores assim como para os donos de mercadorias”, lamenta o empresário, frisando que o desenvolvimento do país não tem como avançar enquanto não houver qualidade nas vias de acesso.

Acidentes em alerta

Se por um lado, os operadores já clamam por danos incalculáveis das suas viaturas, por outro, a via tornou-se actualmente num palco de “sangue”. Segundo dados oficiais, só no ano passado, um total de 825 mortes foram registadas em Moçambique decorrentes de 687 acidentes rodoviários, sendo a maior parte deles na N1.  Este ano, de Janeiro a Agosto, houve registo de pelo menos 575 mortes em um total de 430 acidentes, segundo o relatório de implementação do Plano de Segurança Rodoviária.

Entretanto, embora as causas dos sinistros sejam várias associadas ao excesso de velocidade e álcool à mistura, a degradação da estrada também está na origem.

À este respeito, o presidente da Associação Moçambicana das Vítimas dos Acidentes Rodoviários (AMVIRO), Alexandre Nhampossa, entende que apesar do homem ser colocado como culpado nesses sinistros, em parte, o Governo tem culpa por “tapar a vista” para resolver os problemas da N1. “A nossa estrada não está em condições para nada. E isso é do conhecimento do Executivo. É preciso que o Governo olhe com seriedade os problemas da N1, porque todos os dias está a causar vítimas humanas. E uma das soluções é reabilitar a estrada e depois insistirmos na fiscalização e sensibilização dos condutores”, atenta Alexandre Nhampossa.

Governo em medidas paliativas

Diante de todos cenários que sinalizam perigos resultantes da degradação da N1, o Executivo moçambicano continua apático ano após ano. E a resposta do governo é quase a mesma: falta de fundos.

Na verdade, desde 2022 que o projecto de reabilitação da N1 foi colocado no centro das prioridades do governo moçambicano. Inicialmente foi apresentado em Agosto do mesmo ano pelo então ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, Carlos Mesquita, prevendo o início das obras em Setembro do mesmo ano, o que não se concretizou. Em Janeiro deste ano, com a entrada do actual Governo liderado por Daniel Chapo, a promessa de reabilitação da N1 voltou à cena, e passado alguns meses, o Executivo não ter ainda recursos.

Entretanto, o que se assistiu de lá para cá foi a reabilitação de emergência de alguns considerados críticos. Para o presidente do AMVIRO, “essa não é a solução que o país precisa”, pois “a N1 necessita de uma reabilitação de raíz”.  

Segundo dados da Administração Nacional de Estradas, entidade do Governo, responsável por regular as estradas no país, a reabilitação desses pontos críticos, distribuídos pelos troços Inchope-Gorongosa (70 km), Chimuara-Nicoadala (176 km) e Metoro-Pemba (94 km), custaram cerca de 54,4 mil milhões de meticais (850 milhões de dólares) provenientes de uma doação do Banco Mundial.

Para já, o Executivo avança que a reabilitação completa dos 2620 quilómetros da N1 exige um investimento total de 224 mil milhões de meticais (3,5 mil milhões de dólares), valor que ultrapassa significativamente os recursos actualmente disponíveis, neste caso, os 1,1 mil milhões de dólares (69,5 mil milhões de meticais) já assegurados.

“Como fizemos menção, são necessários 3,5 mil milhões de dólares e já estão assegurados 1,1 mil milhões de dólares. A verba vai ser canalizada em fases, à medida que as obras forem sendo executadas”, afirmou o ministro dos Transportes e Logística, João Matlombe.

Contudo, o governante enfatizou que persistem “desafios” para a mobilização dos recursos remanescentes, prometendo, no entanto, “esforços para assegurar a reabilitação total da estrada”.

Por agora, o Governo escusa definir uma data para o arranque das obras nesta via, considerada principal corredor logístico de Moçambique, que liga o Norte ao Sul, e que atravessa seis capitais provinciais. A única garantia é que o Executivo está a preparar as condições necessárias para o início da reabilitação da N1.

De acordo com o ministro dos Transportes e Logística, estão em curso vários estudos e cerca de mil quilómetros da estrada já dispõem de financiamento garantido. No entanto, o cumprimento de diversas etapas prévias têm adiado o início efectivo da reabilitação. “A nossa expectativa é que, nos próximos meses, o Governo anuncie formalmente o arranque das obras”, declarou Matlombe. E até lá, o país vai caminhando aos “solavancos”.