O uso de moeda electrónica (mobile money) em Moçambique tem vindo a registar uma evolução significativa nos últimos anos. Se, por um lado, este tem proporcionado o aumento da inclusão financeira no país, há quem também veja neste nicho uma oportunidade para sair do desemprego que assola maioritariamente a juventude.
O crescimento é exponencial e os números comprovam esta realidade que antes seria “impensável” imaginar que pudesse ser alcançada num país com enormes desafios para a expansão da rede bancária, embora composta actualmente por 15 bancos, 13 microbancos, três instituições de moeda electrónica, quatro instituições de transferência de fundos e quatro cooperativas de crédito.
Actualmente, cerca de 95% da população moçambicana adulta já utiliza este tipo de serviço financeiro móvel, em contraste com apenas 30% que têm uma conta bancária tradicional. Na verdade, é uma evolução significativa, pois, em finais de 2015, existiam no país cerca de 20% da população adulta com acesso aos produtos e serviços financeiros bancários, segundo o inquérito FinScope 2014 da Financial Sector Deepening Mozambique (FSDMoç).
Entretanto, embora nos últimos anos os pontos físicos de acesso aos serviços financeiros se tenham expandido consideravelmente no país, nota-se ainda que boa parte desses pontos de acesso estão localizados na área urbana. Neste sentido, os serviços de moeda electrónica têm desempenhado um papel fundamental na provisão de serviços financeiros, visto que são de simples acesso e não exigem muita literacia financeira quando comparados com os da banca tradicional.
Desde a criação do primeiro serviço de carteira móvel, mKesh, pela operadora estatal Tmcel em 2012, seguido pelo M-Pesa da Vodacom em 2013 e o e-Mola da Movitel em 2014, o sector de moeda electrónica em Moçambique tem visto uma expansão notável, permitindo a realização de transferências de dinheiro, pagamentos de serviços e outras transacções directamente através do telemóvel. Trata-se de um crescimento que tem contribuído significativamente para a inclusão financeira, especialmente em zonas rurais onde o acesso a bancos tradicionais é limitado, mas também que serve de alternativa para facilitar o acesso a serviços financeiros.
E os dados falam por si. Recorrendo ao relatório Estatístico do Banco de Moçambique (BdM), o número de contas de moeda electrónica (IME) continuou a crescer significativamente, tendo registado um aumento de 18,5% em 2024, para um total de 19,8 milhões, contra 10,8 milhões de contas que havia em 2020.
“Este crescimento expressivo deve-se, entre outros factores, à introdução da interoperabilidade entre as três instituições de moeda electrónica, que agora operam de forma integrada com bancos, microbancos e outros prestadores de serviços financeiros, através da plataforma SIMOrede”, assinala o relatório.
Na verdade, os serviços IME têm revelado um crescimento a todos os níveis. O número de agentes tem revelado esta tendência. Só no ano de 2024, o número de agentes de carteiras digitais no país ascendia a 315 mil, tendo no mesmo período as carteiras móveis movimentado 2,3 mil milhões de meticais (35,6 milhões de dólares), representando um aumento de 41,6% quando comparado com os 1,6 mil milhões de meticais (24,8 milhões de dólares) contabilizados no ano anterior.
Este ano, o número de agentes de carteiras digitais atingiu até Junho 351,9 mil, o que significa uma cobertura de 1817 agentes e 110 contas IME por cada 100 mil adultos.
Um desafio à segurança
Para Gonçalo Arroja, Senior Manager de Assurance Services da Ernst & Young (E&Y), a importância do papel que o mobile money pode ter para aumentar a inclusão financeira em Moçambique é inquestionável. Segundo o consultor, esses serviços não apenas ampliam o acesso a pagamentos e transferências para zonas rurais e populações sem conta bancária, “como reduzem também a dependência de efectivo e os custos de transacção, facilitando compras e vendas locais e permitindo melhorar a formalização dos pequenos negócios, tendencialmente mais informais”.
“A rápida expansão da rede de agentes (para depósitos e levantamentos pelos clientes) contribui para a aproximação dos serviços financeiros da população e facilita micro-transacções e pagamentos no dia-a-dia dos moçambicanos, numa economia onde se observa ainda um elevado volume de negócios informais”, explica o especialista da E&Y.
O especialista alerta ainda que, por outro lado, é importante que o potencial do mobile money seja também equilibrado com um custo razoável para os utilizadores e agentes, e gerido em equilíbrio com os impactos fiscais e monitorização pelo Estado, visto que “a massificação dos fluxos de carteiras digitais têm colocado desafios fiscais, como a rastreabilidade de fundos, tributação de comissões e receitas digitais, sendo esses temas que têm vindo a ganhar cada vez mais peso nas discussões públicas sobre esta temática”.
Ademais, Gonçalo Arroja entende que, em meio desta contribuição, os IME impõem desafios em termos de segurança e risco de branqueamento de capitais para Moçambique. Neste sentido, embora os temas sejam amplamente discutidos nos últimos tempos, e em parte das recentes medidas como a criação do NUTEL (Número Único de Telecomunicações) pelo Instituto Nacional de Comunicações em Moçambique, INCM, em 2024, e a publicação do Aviso n.º07/GBM/2024 que estabelece os limites transaccionais aplicáveis às instituições de moeda electrónica, que reflectem a sensibilização e preocupação dos Reguladores para estas temáticas, há necessidade de se investir ainda mais.
“É importante continuar a investir na coordenação entre Banco de Moçambique, INCM e Autoridade Tributária, garantindo coerência entre regras financeiras, de telecomunicações e fiscais. Por outro lado, promover a integração com o sistema financeiro formal, com vista a transformar a inclusão ‘via telemóvel’ em financeira efectiva, facilitando a ligação entre contas mobile money e contas bancárias com custos reduzidos, e incentivando os Bancos a oferecer produtos simples, digitais e de baixo custo através de plataformas móveis”, defende Arroja.
O mesmo sentimento é partilhado pelo representante residente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olamide Harrison, que defende que a inclusão financeira deve ser vista como a base para a construção de um sistema financeiro moderno, inclusivo e resiliente.
“A inclusão financeira é onde a inovação começa. É o ponto de partida para expandir o acesso, criar confiança e garantir que as infra-estruturas modernas sirvam todos os cidadãos”, afirmou Harrison, acrescentando que a digitalização dos serviços financeiros está a transformar o acesso e o uso de produtos bancários em Moçambique.
A este respeito, um relatório do BdM sobre a Avaliação Sectorial de Riscos de Branqueamento de Capitais alerta que o sistema financeiro nacional continua fortemente exposto a riscos de branqueamento de capitais, apontando o “sector da moeda electrónica como sendo o mais vulnerável e com risco alto”.
A inclusão financeira é onde a inovação começa. É o ponto de partida para expandir o acesso, criar confiança e garantir que as infra-estruturas modernas sirvam todos os cidadãos
Para o BdM, apesar da aprovação, entre 2022 e 2024, de um pacote legislativo considerado robusto e alinhado às recomendações internacionais do Grupo de Acção Financeira (GAFI), “a rápida expansão da moeda electrónica, o sector deve ser acompanhado por um reforço da capacitação técnica e ética”, defendendo ser necessário que as instituições provedoras desses serviços avaliem o risco associado aos seus agentes e promovam acções de formação específicas para este grupo.
Uma solução para o desemprego
Enquanto os números revelam uma contribuição significativa do uso de moeda electrónica para o crescimento da inclusão financeira, a iniciativa tem vindo a evidenciar-se como uma saída ao desemprego que afecta a maior parte da juventude moçambicana. Pedro Novela, um jovem licenciado em Ensino de História pela Universidade Pedagógica (UP) de Moçambique desde 2018, é um dos exemplos de quem encontrou o seu emprego no uso da moeda electrónica.
Trabalhando como agente de moeda electrónica ao longo da Avenida Eduardo Mondlane, uma das principais avenidas da capital moçambicana, Pedro Novela diz estar satisfeito com a actividade, pois consegue sustentar a sua família na base do negócio. “Este é o meu auto-emprego. Percebi que não é fácil ter emprego no país, por isso decidi apostar neste negócio. Hoje consigo sustentar a minha família trabalhando como agente de moeda electrónica”, revelou o jovem, sustentando que agora conta com dois trabalhadores na actividade.
Juma Afonso é outro jovem que exerce a actividade como forma de ganhar renda. O jovem, que exerce a actividade há mais de dois anos, explica que o negócio tem sido rentável, contudo tornou-se arriscado hoje em dia devido “aos assaltos contra os agentes e aumento de esquemas de falsificação da moeda”. Ainda assim, apela aos jovens que continuam desempregados para abraçar a actividade.
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