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“A nova equipa da coordenação económica de Angola (...) tem todas as condições para levar o país para a rota de crescimento”

Cláudio Gomes
3/7/2023
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Foto:
DR

Paulo Portas foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e vice-Primeiro-Ministro, sendo responsável pela coordenação económica, investimento e exportações entre 2011 e final de 2015.

No governo português, Portas exerceu também funções de ministro da Defesa entre 2002-2005. Na entrevista abaixo, o então líder do CDS-PP, partido de centro-direita, considera ser “urgente" limitar os prejuízos da inflação, do Produto Interno Bruto (PIB) e do Kwanza que segue uma trajectória de desvalorização.

O consultor estratégico diz acreditar no passado profissional e técnico de José de Lima Massano e que a rota do crescimento passa também pela intervenção do Banco Central angolano que deve trabalhar para baixar a inflação que requer "algumas medidas difíceis”.

Em que aspectos cingiu a sua participação Angola Innovation Summit (AiS)?

Gostei muito de partilhar ideias no Angola Innovation Summit. Centrei a intervenção nas tendências geopolíticas e geoeconômicas do mundo, com foco especial em África e, claro, em Angola.

A economia global em 2023 é menos positiva do que em 2022 - mas considerando as expectativas que existiam há seis meses, os factos são melhores. Os Estados Unidos da América (EUA) não entraram em estagflação, a China voltou ao comércio e investimento internacionais depois de cessar a política do ‘Covid zero’ e as grandes economias da Zona Euro terão um crescimento modesto mas não há uma recessão em geral. Subsistem dúvidas sobre a Alemanha e apenas o Reino Unido confirma os prognósticos mais negativos.

África está acima do crescimento global e em 2023 mais de dez países africanos voltarão a crescer acima de 5%.

Que caminhos seguir para estabilizar a economia angolana, promover o crescimento e desenvolvimento sustentável?

Como referi no Angola Innovation Summit (AiS) acredito na equipa que o Presidente nomeou para a coordenação económica. O passado profissional e técnico dá boas garantias de profissionalismo e racionalidade na decisão.

O urgente parece ser estabilizar alguns meses de turbulência que sempre podem acontecer quando uma economia tem excessiva dependência de um factor - por exemplo dos preços e volumes de produção do petróleo. Ou seja, tentar e conseguir limitar os prejuízos do ponto de vista da inflação, do PIB e da moeda.

O essencial parece-me ser diversificar os sectores económicos, construir casos isolados e integrados de competitividade que sejam capazes de atrair investimento, melhorar o sector exportador não petrolífero (onde há bons sinais), cuidar da formação competente dos recursos humanos - e aproveitar as oportunidades que áreas como a digitalização, a transição energética e o ‘food supply’ podem gerar.

Os angolanos sabem do seu futuro e eu limito-me a enunciar regras que valem universalmente.

Qual é a relação entre diversificação económica, investimento e estabilização da moeda?

É grande. O investimento habitualmente desconfia do risco cambial…

Que lugar deve ocupar o capital humano e as novas tecnologias neste processo?

É enorme. O maior capital das empresas e das administrações são os colaboradores e as suas qualificações.

Sublinho a questão tecnológica: se Angola passar, por exemplo, para o top 5 do continente em matéria de infra-estruturas de internet, multiplicará por muitos o potencial empreendedor e o vanguardismo dos seus agentes económicos.

Em que medida a recém nomeação de José de Lima Massano para a Coordenação Económica ajudará a alcançar estes desideratos?

Acho que ajudará, certamente. É respeitado e ouvido em todas as grandes instituições financeiras e económicas, sejam nacionais, regionais ou globais. No Banco Central - a quem o Presidente atribuiu a necessária independência - fez o que tinha de fazer para ajudar a estabilizar os marcos fundamentais do país.

Como tornar o Kwanza mais forte e confiável?

Como amigo de Angola acho que o mais importante é acertar e coordenar as políticas públicas que garantem a competitividade e confiabilidade do país - e mantê-las estáveis por bastante tempo. É a melhor ajuda à política monetária que, no essencial, é competência do Banco Central.

Como a Europa deve-se posicionar diante do continente africano?

África deve ser a prioridade estratégica de várias políticas europeias por uma razão óbvia desde que enquadrada nos tempos de hoje e num prisma de relacionamento entre Estados soberanos, sem condescencias nem ressentimentos: Os europeus conhecem os africanos  e os africanos conhecem os europeus.

África e Europa têm muitos interesses complementares que devidamente geridos podem gerar um excelente acréscimo de cooperação. Vou destacar dois pela sua actualidade, mas há muitos outros. Refiro-me à energia e à demografia.

Uma parte dos europeus pagou um elevado preço pela perigosa dependência energética da Rússia. A palavra-chave na resposta europeia foi diversificar o mais depressa possível. Ora, África é um continente energético por natureza e não estou apenas a pensar no petróleo e no gás. África tem um potencial enorme - já na realidade nalguns casos magníficos - na área das energias renováveis. Esta cooperação deve implicar verdadeiras parcerias com investimento e capital, mas também transferências de tecnologia e formação permanente, e deve ter um alcance estrutural de médio e longo prazo. Em contrapartida, parece-me que as organizações regionais de África devem continuar a trabalhar afincadamente para  garantir a estabilidade política e a segurança jurídica dos seus países membros. Sem essa estabilidade e segurança os investidores hesitam ou adiam.

Por outro lado, África é o continente mais jovem do mundo e a Europa, demograficamente, está a envelhecer. Uma gestão partilhada dos fluxos migratórios - e uma política de desenvolvimento que ajude a criar oportunidades em África, seriam muito importantes.

O “Salto da Gazela”, para quando?

Claro que sim! Em 2023 África já terá 11 países que voltaram a crescer acima de 5% e em 2024 haverá mais. A fasquia dos 5% parece-me útil para focar numa ambição de desenvolvimento económico e social. Os países que referi para 2023 são, aliás, muitos do que nos habituaram - na última década e apesar das crises - a números exponenciais como por exemplo o Ruanda, Costa do Marfim, Níger, RDC, Guiné, com entrada este ano e no próximo, de Moçambique no grupo, se tudo se confirmar.

Tenho muita esperança no AfCFTA (African Continental Free Trade Area), traduzido para o portguês “Zona de Comércio Livre Continental Africana”,  e sublinho a celeridade com que se desenvolveram as negociações essenciais. Africa tem uma taxa de intra comércio africano relativamente baixa se comparamos com outros continentes - à volta dos 16%. Se houver igual rapidez na negociação de alguns detalhes e vontade de execução, o acordo pode gerar muito mais actividade, inovação, empreendedorismo e oportunidades de emprego no continente.

E quais são os handicaps prevalentes?

O mais importante é garantir paz, estabilidade e segurança jurídica. Em consequência, retirar obstáculos, retirar burocracia e retirar o excesso de regulamentação. São factores que atrasam muito o desenvolvimento e favorecem a corrupção.

Fala um pouco mais sobre a fragmentação da globalização?

Não acredito que haja um movimento geral de desglobalização. Acredito que haverá esforços para reformar a globalização, sobretudo no plano da sua governança : é difícil viver numa economia global sem um nível mínimo de governança global. Precisamos de antecipar melhor as crises e ter mecanismos de maior cooperação.

A fragmentação da globalização parece-me um risco com maior possibilidade de acontecer. Essa fragmentação significaria um extenso alinhamento da geoeconomia pelas linhas mestras da geopolítica. No fundo os países tenderiam a reforçar as suas relações económicas com os seus aliados e não com os seus clientes : por exemplo ocidentais com ocidentais e orientais com orientais.

Haverá uma certa pressão das duas superpotências no sentido desta fragmentação. para a Europa seria um erro aceitar essa limitação : os europeus são o bloco mais exportador e internacionalizado e operam em todos os grandes mercados - limitar aos ‘aliados’ significaria perder oportunidades.

O Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) estimam em 5 a 7% a perda de PIB global se a tendência de fragmentação prevalecer.

Coisa diferente é - no plano das tecnologias altamente sensíveis - uma certa escalada dos impulsos mais nacionalistas das duas grandes superpotências. Os americanos são os mais inovadores e querem manter a liderança ; os chineses querem disputá-la.

Que respostas pode-se esperar do Ocidente e da Europa considerando as movimentações dos BRICS liderada pela China?

Uma das questões em que é essencial melhorar a globalização é adaptar as organizações internacionais ao século XXI.

Olhando para o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), a fotografia que vemos é de 1946 ou próxima. Os países que têm direito de veto são os vencedores da II Guerra Mundial.

O mundo mudou. Estamos em 2023. Como é possível não terem peso especial no órgão de topo das Nações Unidas o país mais populoso do mundo (a Índia ); ou a terceira economia global (Japão); ou a primeira da Europa (Alemanha ); ou ainda o Brasil e a título permanente uma das grandes nações africanas?

A necessidade de reforma, como se vê, é muito grande…

Os BRICS são uma das alternativas ‘informais’ ao actual estado das organizações internacionais. Os países BRICS já superaram há uns anos largos o G7 em termos de representatividade económica, mas não nos enganemos: os BRICS têm limites naturais: regimes autoritários e democráticos; regimes bélicos e ofensivos a par de regimes pacíficos, por exemplo. E há um potencial de conflito entre os dois polos maiores: O “I” da India e o “C” de China…

Em minha opinião, o organismo não permanente que se tem revelado mais efectivo e mais actualizado é o G 20.

Ponto importante, se queremos que a globalização funcione melhor, temos de restaurar o funcionamento (hoje muito paralisado) da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Relação entre geopolítica e geoeconomia

São complementares. Na era da globalização, a geoeconomia assume naturalmente uma forte preponderância: a dissolução da URSS e do Pacto de Varsóvia tornaram o mercado e a liberdade económica mais globais.

Com a guerra declarada pela Rússia na Ucrânia há regresso veemente das fracturas geopolíticas. O facto de a Rússia e a China não dissimularem que este conflito visa alterar a ‘ordem mundial liberal’ acentua esse risco.

O que me parece é que África tem interesse óbvio em manter fortes e diversificadas relações com os três grandes blocos (EUA, China e Europa ), procurando evitar dependências excessivas em matéria de dívidas e oferecendo parâmetros de segurança jurídica que são em grande medida uma cultura ocidental.

Perfil

Paulo Sacadura Cabral Portas é licenciado em Direito pela Universidade Católica de Lisboa e leccionou História do Pensamento Político. Dá aulas de Geoeconomia e Relações Internacionais na Universidade Nova, Emirates Diplomatic Academy (Abu Dhabi), e seminários diretos sobre Diplomacia Económica para empresas multinacionais.

Em 2016, retirou-se da política partidária e regressou ao sector privado. Tornou-se Presidente do Conselho Estratégico Internacional da Mota-Engil, a maior empresa portuguesa de infra-estruturas, para a América Latina e África. Também foi membro do Conselho Internacional da Pemex Gas (México) e vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Sócio-fundador da Vinciamo Consultoria (análise estratégica e business intelligence), com foco em assessoria à internacionalização de negócios na África, América Latina, GCC e Ásia. É também comentador regular de política internacional na TVI e orador frequente em conferências internacionais. Fluente em português, inglês, espanhol, francês e italiano.