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“A educação pública não é uma preocupação da classe media-alta em Angola”

Cláudio Gomes
16/9/2022
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Cedida pela fonte

O coordenador da Rede Angolana da Sociedade Civil de Educação para Todos (Rede EPT-Angola) disse que a educação de jovens e adultos “não tem merecido a devida atenção” das autoridades governamentais.

Para Vítor Barbosa, a educação de jovens e adultos tem sido “deixada a mercê” da caridade de parceiros sociais e “não é tratada” como um direito humano fundamental. Sobre os últimos cinco anos de administração da política educativa no país, apontou a ausência do diálogo e a não assunção de responsabilidade sobre educação abrangente como o factor “mais crítico”.

Pode fazer uma análise crítica ou analítica sobre os últimos cinco anos do ensino público?

Devemos ser honestos e reconhecer que Covid-19 veio complicar a vida em todo mundo, e claro que em Angola também, e consequentemente, com fortes repercussões na implementação de políticas publicas programadas. Penso que a pandemia deixou bem claro que as escolas públicas e mesmo muitas privadas não possuem condições de higiene e consequentemente não possuem condições de aprendizagem.

Foi um período que iniciou sem se fazer o devido investimento na educação, foi dada uma atenção a revisão dos manuais e às escolas de referência que não estavam previstos em vez de se procurar implementar o ODS4.

Apenas foi feita uma operação cosmética a Lei de Base de Educação e Ensino, continuando as línguas nacionais a ser meras línguas auxiliares.

E neste período, quais são os factores críticos e que devem merecer uma atenção especial dos decisores públicos e da sociedade civil?

O mais crítico para mim é o não existir diálogo e assunção de responsabilidade sobre educação abrangente, ou seja, envolvendo todos interessados e todos que de forma directa ou indirecta que têm a ver com a educação. Nos primeiros anos de independência os conselhos consultivos do Ministério da Educação (MED) eram antecedidos dos conselhos províncias. Agora subestima-se o capital humano local existente na educação e não só. No parlamento pouco ou nada se fala da educação, isto porque a educação pública em Angola não é uma preocupação da classe media alta.    

A elaboração do Orçamento Geral do Estado (OGE) para a educação não é participativa a partir da base, no mínimo a partir do município. Não tem sido analisada a execução do orçamento do ano anterior, não é feita a análise do orçamento por programas implementados e a implementar. Não deve ser o ministério das finanças a determinar um valor para a educação e o ministério da educação ter que fazer uma ginástica para distribuir. É necessário um maior e melhor aproveitamento da ajuda externa e evoluir para abordar o financiamento a educação e não apenas o OGE. Os projectos apoiados pela UNESCO, UNICEF, Banco Mundial e outros devem ser sustentáveis passando a fazer parte do OGE.

Angola já criou o Grupo Local Pela Educação, mas ainda não há sinais para o aproveitamento do financiamento que a Parceria Global para Educação disponibiliza.

É crítico não existir uma estratégia para captação de financiamentos e outros apoios da comunidade internacional como a nacional incluindo o empresariado. Muito crítico é continuarmos a dizer que o ensino primário e obrigatório e gratuito e não se conseguir concretizar com graves consequência para as famílias mais pobres e assim em Angola não é um elevador social.        

Que políticas públicas voltadas para o ensino foram positivamente executadas no quinquénio praticamente findo?

O TUPPI (Todos Unidos Para a Primeira Infância). No seu espírito é uma boa política, mas a sua implementação deve ter muitas dificuldades e nem sequer está no OGE. Há progresso na educação inclusiva com criação da escola inclusiva.

As medidas de recuperação do atraso escolar como consequência da Covid-19 foi uma excelente política.

É fundamental identificar as verdadeiras causas localmente e buscar aí soluções. Medidas realistas de combate a pobreza e a exclusão social, são determinantes e uma maior interação escola comunidade. Também é fundamenta monitoria da implementação das leis com destaque para o ensino primário obrigatório e gratuito.

O que dizer sobre a eficácia do programa de mona docência?

Não gosto de falar sobre a monodocência porque me parece ser o bode expiatório para justificar o fraco investimento da educação. A reforma educativa não foi implementada como devia, faltou participação permanente dos docentes e outros agentes do sistema educativo, faltou monitoria e introdução das alterações sugeridas, faltou formação aos professores. Podiam ter sido encontradas soluções mantendo um professor da turma e outros professores a darem aulas de algumas disciplinas específicas.    

E sobre a distribuição da merenda escolar no interior do país, o que se lhe oferece comentar? Que soluções podem tornar mais inclusivo este programa?

Penso que a merenda escolar nunca foi objecto de um estudo para ser implementada de forma realista, se não vejamos: a cada município foi acrescentado 3 milhões de kwanzas para a merenda escolar, será que todos têm o mesmo número de crianças que devem receber merenda? Não me parece que exista uma informação clara sobre o orçamento para a merenda e já ouvi dizer que há províncias que recebem merenda, mas não têm como cobrir custos de logística interno.

A merenda é um exemplo de que politicas que não são elaboradas de forma participativa corre o risco de falhar.

A merenda escolar com produtos locais pode ter produtos mais saudáveis, pode estimular a produção local e até reduzir o êxodo do campo para a cidade porque os jovens podem se interessar pela produção familiar ou individual      

Até agora, que acções têm sido feitas pelos associados da Rede EPT-Angola?

Entre outras, um diagnóstico sobre as condições das escolas e do processo de ensino aprendizagem com o surgimento do Covid-19; um estudo sobre a educação e cuidados na primeira infância em Angola; um posicionamento sobre o OGE 2021; sugestões para alterações  a Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino; estudo comparado sobre educação nos países lusófonos em cenário de Covid-19 na semana de acção mundial 23 de Junho de 2021 e uma “Carta Aberta para o Presidente da República Contra a Cobrança de Emolumentos”, subscrita pela Mosaiko, a Handeka e a Rede EPT Angola.

O que esperar do próximo executivo sobre as políticas públicas voltadas para o ensino?

A Rede EPT-Angola deseja que o novo executivo dedique a devida atenção aos resultados da Cimeira sobre Transforming Education Summit 2022, organizada pela ONU, especificamente sobre o financiamento da educação, assente em quatro pontos: a) - Assegurar a recuperação total da interrupção educacional da Covid-19; b) - Identificar as principais transformações e alavancas estratégicas no reimaginar a educação para o século XXI e acelerar o progresso no sentido de objectivos educativos partilhados; c) - Assegurar um financiamento público reforçado e mais sustentável da educação; d) - Aumentar a ambição dos objectivos e dos critérios de referência nacionais em matéria de educação.

Leia mais sobre o ensino em Angola na edição de Outubro da Economia & Mercado disponível nas superfícies comercias.