No actual contexto de transformação estrutural da economia angolana, em que se reforça a exigência de transparência na gestão dos recursos colocados à disposição das empresas – públicas ou privadas – o princípio da accountability assume um papel estruturante na arquitectura da boa governação. A sua aplicação prática vai para além da prestação de contas financeiras, assentando numa cultura de responsabilização, integridade, compromisso com resultados e transparência em todas as dimensões da gestão.
É nesta linha que se pretende destacar a relevância da accountability como instrumento de criação de valor, promoção da transparência e reforço da responsabilização. A ausência desta cultura compromete a integridade da gestão, fragiliza a confiança dos stakeholders e coloca em risco o alcance dos objectivos estratégicos – sobretudo num ambiente que exige resultados, eficiência e impacto económico e social.
Para melhor entendimento da abordagem, é útil revisitar o conceito. Segundo Mark Bovens (2007), accountability corresponde à “obrigação de um actor justificar as suas decisões e acções perante uma instância competente, com capacidade para avaliação e imposição de consequências”. Já Robert Behn (2001) propõe uma tripla distinção funcional:
(i) accountability for finances (eficiência no uso dos recursos financeiros);
(ii) accountability for fairness (equidade nos processos);
(iii) accountability for performance (eficácia na obtenção de resultados).
Assim, tanto no sector público como no privado, a accountability deve assentar em quatro pilares fundamentais:
1. Transparência – disponibilização proactiva e tempestiva de informação relevante (económica, financeira, operacional, entre outras);
2. Responsabilidade – atribuição clara de funções e objectivos;
3. Resposta (Answerability) – capacidade de justificar decisões perante os stakeholders (accionistas, reguladores, sociedade civil, etc.);
4. Consequência (Enforcement) – existência de mecanismos sancionatórios e de incentivo, associados ao desempenho institucional.
Esta abordagem é especialmente pertinente no contexto angolano, onde subsistem desafios na alocação eficiente de recursos, na credibilização da função empresarial do Estado e na sustentabilidade das finanças públicas. A accountability implica integridade na gestão, clareza nas decisões e um dever efectivo de demonstrar os resultados alcançados – com foco no impacto, e não apenas nos processos.
Num ambiente cada vez mais exigente em matéria de eficiência, a accountability afirma-se como um pilar essencial da gestão orientada para resultados. Apesar da crescente visibilidade do conceito, ainda é frequente a sua interpretação restrita a uma obrigação legal ou ao reporte financeiro. Esta visão reduzida ignora a sua função mais nobre: garantir a responsabilização concreta dos gestores, com base no desempenho, no impacto e no valor económico criado.
No caso das empresas do Sector Empresarial Público (SEP), a accountability deve nortear tanto a actuação dos gestores como a supervisão do Estado enquanto accionista. A natureza híbrida dessas empresas – combinando objectivos económicos com obrigações de interesse público – exige um modelo de governação robusto, centrado na criação de valor, sustentabilidade e alinhamento com metas nacionais como a diversificação económica, a inclusão produtiva e a redução das assimetrias regionais.
Contudo, apesar dos avanços registados, a accountability continua muitas vezes a ser vista como mero exercício legal, baseado em relatórios de gestão e contas auditadas, sem ligação efectiva à responsabilização por desvios de performance nem à promoção da eficiência económica. Importa sublinhar que relatórios auditados não bastam: é necessária a clarificação de responsabilidades, a definição de metas mensuráveis, a explicitação de critérios de decisão e a demonstração concreta dos resultados.
Por isso, impõe-se uma nova abordagem, orientada por uma lógica de responsabilização funcional, em detrimento de práticas meramente formais. Essa mudança implica a gestão por objectivos, o uso de métricas de avaliação e a adopção de instrumentos de gestão com indicadores mensuráveis. A accountability deve ser incorporada nos ciclos de planeamento, execução, monitorização e avaliação, com reforço do controlo interno, realização de auditorias independentes e divulgação pública de resultados de forma acessível e tempestiva.
A Reforma do SEP, consagrada no Decreto Presidencial n.º 13/22, de 18 de Janeiro, introduz inovações relevantes nesse domínio. Estabelece como princípios fundamentais a eficiência, a transparência e a reestruturação institucional. Esta agenda reformista representa uma oportunidade para consolidar práticas de responsabilização efectiva, através da clarificação do papel do Estado enquanto accionista, da profissionalização da gestão, da mitigação de riscos fiscais e da melhoria da qualidade do reporte.
No sector privado, as exigências de accountability estão cada vez mais associadas à competitividade, à reputação institucional e ao acesso ao financiamento – especialmente em mercados regulados e junto de parceiros internacionais. Práticas como o relato integrado (integrated reporting) e o envolvimento dos stakeholders nas decisões estratégicas reforçam a confiança do mercado e abrem portas ao investimento directo estrangeiro.
Neste quadro, a exigência de accountability não deve ser confundida com ingerência nos assuntos internos das empresas, mas sim encarada como sinal de maturidade organizacional e de compromisso com a eficiência. Como refere Schillemans (2013), “a accountability não deve ser vista apenas como um instrumento de controlo, mas também como uma oportunidade de aprendizagem institucional e de melhoria contínua do desempenho”.
Em suma, mais do que uma boa prática de gestão, a accountability é um instrumento de criação de valor, motor de uma economia de mercado funcional e de um tecido empresarial competitivo. Promover uma cultura de accountability, orientada por resultados e enraizada nos sistemas de governação, é essencial para assegurar a sustentabilidade das finanças públicas, a qualidade da despesa e a geração de valor económico e social de longo prazo. Ir além dos números não é apenas uma aspiração – é uma exigência para garantir integridade, confiança e crescimento sustentável.
*Elias Quintas, Técnico do IGAPE,
Membro da Bolsa de Articulistas do MINFIN

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