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Agricultura: Importação de sementes geneticamente modificadas coloca operadores em margens opostas

Victória Maviluka
24/1/2025
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Foto:
DR

Ministério da Agricultura e Florestas quer aumentar produção com recurso à importação de sementes geneticamente modificadas, mas, do outro lado, está um grupo que pede “séria ponderação”.

Um extremo olha para o aumento da produção como factor determinante para a aprovação do instrumento jurídico e, do outro lado, está um grupo que levanta fortes receios de a medida colocar em causa a saúde humana. A reunião desta quarta-feira, 22, em Luanda, do Comité de Sementes Geneticamente Modificadas decorreu, por conseguinte, sob a batuta de acesos debates.

No epicentro das discussões esteve a proposta de um Decreto Presidencial que visa autorizar ou não a importação e o uso no solo angolano de sementes geneticamente alteradas das culturas de milho, soja e algodão, na fase piloto do projecto. 

Da voz do próprio ministro da Agricultura soube-se que foi o Presidente da República que, face à sensibilidade do assunto, solicitou que, antes que passe pelo crivo do Conselho de Ministros, a temática fosse devidamente discutida ao nível das bases, no sentido de se apurar a viabilidade da medida.

Aliás, está-se diante de um dossiê que, há 20 anos, foi alvo de rejeição pelo então Governo, que, à época, temeu que a abertura das portas do País à importação dessas sementes se traduzisse numa ameaça à saúde dos consumidores e à identidade das sementes nativas.

O assunto voltou, agora, à bala, com os (novos) mentores da iniciativa a assumirem uma abordagem longe dos receios antes levantados, justificando-a com a capacidade de adaptação dessas sementes a climas diversos e adversos. 

Mas nada que tivesse, até aqui, demovido alguns núcleos de operadores do sector que se posicionam do lado da conservação do padrão das sementes naturais.

À guisa de tranquilização, o ministro Isaac dos Anjos assegura que, caso a medida avance, não irá afectar “todo o património” genético nativo, afastando a tese segundo a qual as sementes geneticamente modificadas são uma ameaça à saúde, e subliando que, devido à natureza dessas sementes, nem todos os operadores estarão dispostos a suportar os custos inerentes à sua aquisição.

“O tema que está aqui à mesa é esse: precisamos de utilizar essas sementes para que os produtores possam crescer na sua produtividade. Eles dizem que é uma necessidade”, reporta o titular da pasta da Agricultura e Florestas.

Afirma que não pode ser o Ministério “a travar uma coisa que é simples de se resolver”, que se faz “com protocolos”. Ainda nas incursões para converter os ‘oponentes’, o governante exemplifica que um produtor de milho de sementes geneticamente modificadas pode fazê-lo com campos a uma distância de dois ou três quilómetros das plantações das comunidades.

“Mas é necessário que as autoridades locais, os Institutos de Desenvolvimento Agrário locais tenham os seus bancos de sementes, organizem a sua defesa dos bancos de sementes, a germoplasma natural. Isso não é um Ministério que tem que fazer”, observa. 

“Pedimos a vossa compreensão, dêem-nos uma oportunidade”, apela, repetidamente, Dos Anjos para a aprovação, pelo plenário, do referido documento, para que siga para apreciação do Conselho de Ministros.

O Ministério da Agricultura e Florestas entende que uma viragem nesta restrição abrirá portas ao aumento da produção, produtividade, crescimento e expansão de um sector empresarial agrícola “mais competitivo, forte e dinâmico”, contribuindo para a diversificação da economia e para o combate à fome e à pobreza. 

Não obstante na reunião aberta à imprensa a força do receio pela aprovação da medida ter-se mostrado substancial, a E&M sabe que o projecto de importação de sementes geneticamente modificadas deve seguir, nos próximos dias, para apreciação do Conselho de Ministros.

“Ponderação”, um apelo que soou com frequência

Vários técnicos convocados para a reunião do Comité de Sementes Geneticamente Modificadas, decorrida na sede do Ministério da Agricultura e Florestas, se mostraram receosos quanto à implementação, sobretudo com carácter quase que imediato, da medida.

Técnicos ligados às cooperativas agrícolas e do Ministério da Saúde pediram “séria ponderação” quanto à importação dessas sementes, face ao impacto adverso que estas podem provocar na subsistência das sementes nativas e na saúde dos consumidores.

Num documento a que a E&M teve acesso, o Ministério da Saúde refere que os Organismos Geneticamente Modificados proporcionam múltiplas e crescentes aplicações no domínio da investigação médica e biológica na nutrição, na saúde, no ambiente e, principalmente, na agricultura. 

“Paralelamente, suscitam preocupações sobre os potenciais riscos para a saúde e o ambiente, bem como questões políticas, económicas e sociais, motivando significativa controvérsia sobre o verdadeiro contributo dessa tecnologia para a humanidade”, alerta o relatório.

Face ao exposto, realça o documento, a equipa do Ministério da Saúde considera “ser cedo demais em aceitarmos” a introdução de OGMs “sem que haja legislação, equipamentos laboratoriais para o controlo sanitário dos alimentos dessa natureza”.

José Severino apelou para rigor na definição de prioridades

AIA: “Ainda há um caminho a fazer para aumentar a produção pelas vias tradicionais” 

José Severino, presidente da Associação dos Industriais de Angola, é de opinião que o País deve ultrapassar, antes, problemas estruturantes como a correcção dos solos, as estradas para o escoamento dos produtos e maior incentivo aos agricultores.

“Se calhar, algum de nós vai ter um aumento da produção geneticamente modificado, mas, depois, não tem estrada [para escoar os produtos]. Isto é verdade. Quanta produção nossa se perde por falta de estrada?”, indaga o empresário.

José Severino adianta que a proposta da AIA é que o projecto-piloto de importação de sementes geneticamente modificadas arranque só dentro de um ano e meio ou dois, mas a começar com um produto como o algodão.

“E, depois, lá virá o aumento dos produtos mais directamente ligados à nutrição, em que precisamos, de facto, de ser competitivos. Mas ainda há um caminho a fazer para aumentar a produção pelas vias tradicionais”, conclui.