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Angola e a Revolução da Inteligência Artificial: entre a oportunidade e a urgência

Filipe Colaço
7/8/2025
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Foto:
DR e Cedidas

Angola tem uma população jovem e um forte espírito empreendedor, muitas vezes limitado por falta de acesso a capital, tecnologia e mercados.

Em 23 de julho de 2025, a Casa Branca apresentou o documento “Winning the Race: America’s AI Action Plan” num fórum dedicado à inovação tecnológica em Washington, co‑promovido pelo Hill & Valley Forum e o podcast “All‑In”, com a presença de líderes como o CEO da NVIDIA e outros executivos de peso. Este plano decorre da Executive Order 14179, assinada em Janeiro de 2025, que ordenou a elaboração de uma estratégia nacional de IA com 90 acções prioritárias para garantir a liderança global americana. Estruturado em três pilares: Inovação, Infra‑estrutura e, Diplomacia/Segurança, este documento marca uma viragem, com foco claro em liderar esta competição global assente em forte desburocratização/ desregulação.

Enquanto os Estados Unidos movem estas peças, Angola enfrenta uma escolha decisiva: tornar-se um espectador desta nova revolução industrial ou transformá‑la num motor de crescimento económico, geração de emprego e soberania tecnológica.

Não se trata de copiar modelos. Trata‑se de construir um caminho próprio, partindo da realidade nacional e do conhecimento das nossas vantagens e limitações. É aqui que três alavancas estratégicas poderão emergir: Oil & Gas como motor tecnológico inicial, o sector público como âncora de transformação e as infra‑estruturas inteligentes como cola económica, capazes de acelerar a agricultura, indústria e os serviços financeiros.

1. Oil & Gas como incubador tecnológico

O sector petrolífero, responsável por mais de 90% das exportações e cerca de 45% do PIB, tem escala e liquidez para liderar esta agenda. O Médio Oriente mostrou como fazer: antes dos grandes casos de uso, criaram enablers estruturais: investimento em cloud soberana, construção de data centers locais, criação de laboratórios de inovação e de IA e, programas massivos de capacitação de talento.

Com estas bases, empresas como Aramco e ADNOC desenvolveram plataformas de manutenção preditiva, centros de comando digitais e hubs de dados industriais que agora alimentam outros sectores. Angola pode seguir esta lógica: transformar o Oil & Gas num catalisador tecnológico que sirva de plataforma de desenvolvimento da agricultura, indústria e serviços financeiros, contribuindo para reduzir gradualmente a dependência do sector.

2. Sector público como acelerador institucional

O Estado continua a ser o maior empregador e dinamizador da economia real e, para que esta transformação ocorra, é fundamental que:

•      A administração pública se digitalize, com serviços baseados em IA para reduzir burocracia;

•      Os quadros do Estado sejam requalificados, criando massa crítica de gestores públicos digitais;

•      Se criem “sandboxes regulatórias”, permitindo que empresas privadas testem soluções sem entraves desnecessários;

•      Se partilhem, de forma segura e responsável, dados e infra‑estruturas governamentais ao sector privado para gerar valor partilhado.

Já foram dados alguns passos, como explanado nas directrizes do Livro Branco das TIC 2023‑2027 que prevê a futura Estratégia Nacional de IA. Mas falta escala e coordenação para transformar os avanços pontuais em impacto sistémico e evitar a emergência de abordagens dispersas, sem objectivos comuns ou desalinhadas com boas práticas

3. Infra‑estruturas e logística inteligentes

A diversificação económica exige mais do que estradas e cabos: precisa de sistemas inteligentes e, a IA permite acelerar a sua produtividade tal como:

•      Corredor do Lobito: optimizar rotas ferroviárias, prever manutenção e analisar fluxos de carga em tempo real;

•      Novo Aeroporto de Luanda: criar algoritmos de gestão de tráfego aéreo e cargas, tornando‑o um hub competitivo;

•      Centros logísticos regionais: prever a procura e gestão automática de inventários, reduzindo desperdícios;

•      Conectividade híbrida (fibra + satélites): fomentar redes de baixa órbita para levar serviços digitais e financeiros a zonas rurais em semanas e não anos.

Estudos indicam que estas soluções podem reduzir custos logísticos em até 15%, com impacto directo na competitividade dos sectores produtivos.

4. Agricultura e soberania alimentar

Com apenas 10% dos 58 milhões de hectares aráveis cultivados, Angola importa anualmente mais de USD 2,5 mil milhões em alimentos. Plataformas preditivas baseadas em IA para previsão de colheitas e gestão de pragas, associadas a fintechs agrícolas para scoring digital e micro-crédito, poderiam reduzir esta despesa em até 30% em 5 anos, criando empregos e fortalecendo a auto-suficiência alimentar.

5. Talento, juventude e empreendedorismo produtivo

A revolução digital só será real se incluir as pessoas. Angola tem uma população jovem e um forte espírito empreendedor, muitas vezes limitado por falta de acesso a capital, tecnologia e mercados. Com a IA, será possível:

•      Além da conversão e emergência de carreiras técnicas na economia tradicional poderão ser criados milhares de micro‑negócios digitais, apoiados em plataformas de baixo custo para e‑commerce, serviços financeiros ou marketing;

•      Automatizar tarefas administrativas, permitindo que pequenos empreendedores se foquem no crescimento do negócio;

•      Integrar ferramentas de scoring digital e micro-crédito para acesso rápido a financiamento;

•      Formar jovens em competências aplicadas de IA, gerando um ecossistema de inovação local.

Assim, a IA deixa de ser apenas tecnologia e torna‑se uma alavanca social capaz de transformar a juventude empreendedora no maior activo económico do país.

Liderança e governação centralizada

Para que esta estratégia seja possível e ética, tipicamente estabelecem-se entidades centrais com poder político e técnico, capazes de garantir segurança, transparência e confiança no uso da IA. No caso de Angola poderia considerar-se criar uma Task Force Nacional de IA, liderada pelo Ministro de Estado da Coordenação Económica mas em estreita articulação com entidades como MINTTICS, a ANPG, o IMA e o IGAPE.

Vários países seguiram caminhos similares: a SDAIA (Saudi Data & AI Authority) na Arábia Saudita centraliza regulação, dados e execução de projectos estratégicos; na Singapura, a Smart Nation and Digital Government Office reporta directamente ao Primeiro‑Ministro; e, o Rwanda Information Society Authority (RISA) lidera a digitalização do país com mandato claro. Estes modelos demonstram que liderança política ao mais alto nível é decisiva para transformar IA em resultados económicos e sociais concretos.

Sem esta governação, Angola corre o risco de fragmentar esforços; com ela, pode transformar a IA num motor de valor económico, geração de empregos e soberania nacional.

Possíveis acções prioritárias de curto prazo

Para transformar visão em acção e provar que esta agenda poderia ser exequível, destacaria o que poderiam ser as acções prioritárias de curto prazo:

         I. Formalizar esta Task Force Nacional de IA com forte patrocínio executivo e top-down e em estreita articulação com stakeholders-chave;

        II. Lançar um hub de cloud público‑privado ligado ao Oil & Gas;

      III. Iniciar um piloto de IA no Corredor do Lobito para optimização logística;

     IV. Criar a primeira sandbox regulatória de IA;

       V. Lançar academias tecnológicas conjuntas com empresas âncora no mercado.

Esta não é apenas uma agenda tecnológica. É uma escolha de futuro. E todos teremos de contribuir para que Angola não fique para trás – nem a nível regional nem global. A revolução da IA pode e deve ser a ponte entre o claro potencial nossos recursos naturais e humanos e, o desenvolvimento inclusivo que o país precisa.