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Exclusivo: Bloqueio de Navios de Arrasto é Desmantelado e Peixe Regressa em Abundância

Fernando Baxi
11/6/2025
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Foto:
Carlos Aguiar

Navios de arrasto, maioritariamente de bandeira estrangeira, bloqueiam a migração natural dos peixes, impedindo que estes chegassem ao Litoral Sul de Angola.

Uma operação liderada pelo Ministério das Pescas e Recursos Marinhos desmantelou, há um ano, um bloqueio ilegal de navios de arrasto que, há anos, sufocava a vida marinha no Paralelo 16 e 17, fronteira marítima entre Angola e a Namíbia. A medida devolveu cardumes em abundância às zonas de pesca artesanal e aos locais de reprodução, marcando o fim de uma crise que deixou comunidades costeiras em extrema vulnerabilidade.

Segundo fontes oficiais, os navios de arrasto, maioritariamente de bandeira estrangeira, bloqueiam a migração natural dos peixes, impedindo que estes chegassem ao Litoral Sul de Angola, região vital para a subsistência de milhares de pescadores artesanais. Com a remoção das embarcações, o ecossistema recuperou de forma surpreendente, com operadores a registar stocks de 500 toneladas.

A súbita chegada de peixe ao mercado provocou uma queda acentuada nos preços. O quilograma de carapau, que chegou a custar 75.000 Kz no auge da escassez, está agora a 35.000 Kz. 

Mar vazio: o drama socioeconómico da pesca artesanal sem solução à vista.

O sol mal raiava no horizonte quando as primeiras embarcações, de pesca artesanal, voltavam à zona da firmar, no sumbe, província do Cuanza Sul, com o cenário que se repete há meses: redes vazias, rostos melancólicos e silêncio pesado que anunciava mais uma jornada desperdiçada no mar.

“A actividade piscatória aqui na zona da Firmar, no Sumbe, está péssima desde o ano passado por causa do fenómeno limo”, desabafou Virgílio Norte, pescador há mais de 15 anos que, pela experiência, coordena a área da pesca rasteira, composta por mais de 32 embarcações artesanais.  

Rodeado por outros pescadores de olhos fundos e mãos calejadas, que confirmavam a dura realidade, Virgílio Norte mostrou-se desesperado pelo facto de a escassez de pescado ameaçar a sobrevivência de centenas de famílias dependentes da pesca artesanal naquela região do Cuanza Sul.

O número de embarcações artesanais abandonadas sobre o manto de areia branca, denunciava o momento estarrecedor que vivem os marujos da Firmar. 

“Os barcos abandonados são dos pescadores que procuraram outros negócios para sobreviver. É difícil manter esta actividade no Sumbe. Uma jornada no mar exige no mínimo 40 litros de gasolina, óleo de mistura, alimentação e medicamentos de primeiro socorro. Gastámos no mínimo 150 mil Kz e só conseguimos mil e 500 Kz”, lamentou o ‘mestre’ Virgílio Norte.

Enquanto o coordenador da área da rasteira lamentava a situação dos armadores e marinheiros artesanais, devido à escassez de pescado no mar do Cuanza Sul, um grupo de pescadores puxava a rede com entusiasmo, na esperança de obter uma boa captura. Porém, ficaram decepcionados, pois a quantidade de peixe obtida estava aquém das expectativas.

Pescadores do Sumbe atiram-se contra rapa  

Vasco Francisco, coordenador da área dedicada ao tipo de pesca rasteira na Firmar, culpa os colegas da pesca de cerco pela escassez de peixe naquela zona. “Eles estão a prejudicar o viveiro de cardume. A fiscalização tem de tomar medida. Pescam com instrumentos proibidos (efeitos luminosos)”. 

O crítico da pesca por cerco também se atirou contra os armadores industriais pela escassez de peixe e frutos do mar no mercado nacional. Para Vasco Francisco, que coordena 14 pescadores, os proprietários das embarcações sofisticadas preferem exportar, a vender internamente. 

Um grupo de pescadores acompanhava com muita atenção as declarações do mestre da pesca rasteira à E&M, mas foi subitamente interrompido pelo grito de uma multidão que se voluntariou para tirar do mar o barco ‘tripulado’ por Américo Seabra, acabado de chegar com pescado.    

“A captura de pescado está fraca, devido aos detritos arrastados pelas chuvas no mar, que está agitado por causa das alterações climáticas”, disse Américo Seabra, triste com a quantidade de pescado naquele dia, mas esperançoso de que a situação mudaria num futuro muito próximo.

A equipa de reportagem da E&M, após contacto prévio, seguiu para Direcção do Gabinete da Agricultura e Pescas do Governo Provincial do Cuanza Sul com a intenção de ouvir o director, mas recusou-se a prestar declarações, alegando falta de autorização do superior hierárquico.

Panguila cardumes migram e deixam comunidades em desânimo 

Rumo à província de Benguela, num percurso tumultuoso, a equipa da E&M percebeu que a crise no mar se estende até ao maior centro piscatório do país onde igualmente compromete o sustento de milhares de famílias. 

Agostinho Catuta, pescador há mais de 38 anos, é uma das testemunhas de que a pesca artesanal tem sofrido nos últimos tempos em Benguela.             

“Quando comecei a pescar, bastava um laço enchia uma chata de peixe. Era rápido. Agora, com seis laços, apenas consigo dois ou seis baldes. É muito triste”, lamentou Catuta, com os olhos fixos no horizonte, como se buscasse, nas ondas, a fartura de cardume doutrora.

Catuta contou que antes, um barco artesanal levava no máximo seis pescadores. Hoje levam 30 homens, é muita gente para pouco peixe. Isso tudo é consequência da pesca predatória e da desorganização do sector. 

Para o pescador do Panguila, a introdução da pesca do tipo rapa (de cerco tradicional), que antes era desconhecida no seio da pesca artesanal, está a destruir o viveiro de peixe, pois nem sequer dá tempo para os peixes miúdos crescerem.      

Outro factor que tem contribuído para o sofrimento dos pescadores artesanais, argumentou, são os barcos semi-industriais. “Eles numa só sentada pescam mais de 50 toneladas, andam a esvaziar o mar, tiram tudo e deixam nada pra gente que pesca com as mãos e redes”.

“Há dias que só conseguimos 1.000 Kwanzas e ainda temos de dividir com o marinheiro. É revoltante”, desabafou uma das várias armadoras artesanais na praia do Panguila (Benguela), que antes comia, pagava a escola dos filhos e poupava dinheiro feito no negócio do peixe. “Agora só Deus sabe”, rematou.

Os pescadores do Panguila e outras zonas, disse Alberto Jamba, jovem que se deslocou àquele local para comprar peixe, sabem que a crise na pesca artesanal em Benguela expõe não só a escassez de recursos marinhos, mas também o abandono a que estão votados os homens e mulheres do mar. 

“Sem políticas públicas eficazes, fiscalização rigorosa e com a pressão crescente da pesca industrial e semi-industrial, os pescadores do Panguila continuam a lançar redes com mais esperança do que certeza”, lamentou.  O tempo passa e o mar de Benguela oferece menos peixe, esvaziando assim a dignidade de quem tem a pesca artesanal como sustento único.

Odisseia na via Dombe Grande - Lucira      

O percurso estava longe de terminar, ainda faltavam cerca de 490 quilómetros de estrada. A missão também passava por chegar à famosa vila piscatória do Tômbwa, no Namibe.

Transposto o percurso tortuoso por trilhas de difícil acesso, finalmente a equipa da E&M alcançou uma estrada em bom estado que a levaria em segurança até à histórica vila de Moçâmedes, no sul de Angola. 

O Município da Lucira é o segundo maior polo piscatório da província do Namibe, depois do Tômbwa, e também regista uma baixa na captura de pescado, de acordo com Augusto Simba, residente naquela vereação há 30 anos. 

Simba criticou o que chama de “privatização dos apoios”, alegando que o investimento estatal destinado à Cooperativa de Pescadores da Lucira foi monopolizado por indivíduos ligados ao Estado, ao invés de chegar aos verdadeiros beneficiários, os pescadores. “O dinheiro era para os privados”. 

Tômbwa ‘sofre’ há quase dois anos 

O cenário na praia do 17, Tômbwa, o cenário chega a ser mais preocupante para os pescadores artesanais, em relação às zonas da Firmar (Sumbe), Panguila (Benguela) e Lucira (Namibe), quanto à captura. 

A escassez de pescado nos mares de Angola está a preocupar as instituições públicas, ligadas ao sector, segundo o director Provincial das Pescas e do Mar no Namibe, Piedade Goanhe, em declarações à E&M. 

Tendo em conta o fenómeno, causado pela sobrepesca, mudanças climáticas, pesca ilegal e predatória, disse, o Instituto Nacional de Investigação Pesqueira (INIP) adotou medidas de gestão para preservar a biomassa marinha, que passa pela limitação da pesca de arrasto. 

Ainda no âmbito das medidas de gestão, como se pôde depreender da informação passada por Piedade Goanhe, fixou-se o licenciamento de embarcações do segmento da pesca industrial de arrasto pelágico em 5.

Quanto à pesca artesanal, afirmou que tende a desaparecer porque hoje surgiu o patronato. “É uma actividade reservada aos nacionais, mas existem estrangeiros no negócio”. 

Agentes estranhos na pesca artesanal  

Acredita-se na existência de indivíduos por trás do negócio, avançou, pelo facto de uma embarcação artesanal, vulgo rapa, custar 27 a 30 milhões de Kwanzas, valor tido avultado para um pescador de subsistência. 

“A nível da província do Namibe temos 650 rapas cujo custo varia de 27 a 30 milhões Kz. A banca não financiou. Há quem esteja a ganhar às custas dos pescadores artesanais. Deve-se combater estes novos players”, argumentou.

O número de captura de pescado alterou em função da entrada de novos players. “No primeiro semestre, ao nível do Namibe, o segmento artesanal (rapa) capturou 39 mil toneladas, o semi-industrial mil 149 toneladas e o industrial 4 mil 389 toneladas. O primeiro segmento representou 92%”.                      

A nível da Lucira, a Administração Municipal, que controla 294 embarcações, duas semi-industriais e 292 artesanais, nos últimos seis meses apostou na formação de segurança marítima, tendo em conta o número de naufrágios naquela parcela da província do Namibe. 

Marília Inácio João, administradora municipal da Lucira, informou que a região beneficiou de uma cooperativa para o apoio à pesca artesanal.

“Estamos a trabalhar também com o Instituto da Pesca Artesanal (IPA) e o Governo Provincial do Namibe, no sentido de dar maior dinamismo à estrutura”, disse a representante máxima do Estado naquele município.

Diante da escassez de peixe no mar das acácias e rubras, a presidente da Associação dos Pescadores de Benguela, Naty Viegas, também vê a rapa como uma prática prejudicial à actividade pesqueira, longe de defender a proibição desta prática, é apologista da transição para a categoria ou classe semi-industrial.

“As rapas têm características de barcos semi-industriais, mas actuam como se fossem embarcações artesanais. O mais grave é que pescam nas baías e nos estuários”, desabafou Naty Viegas, que se vê obrigada a enviar as embarcações no mar do Namibe por falta de peixe em Benguela.

Para o director do Gabinete da Agricultura, Pecuária e Pescas de Benguela, Leilande da Costa, a medida mais ajustada para conservar a biomassa passa por garantir uma pesca sustentável e consciencializar os pescadores.