A regulação da Inteligência Artificial está a ficar para trás face ao ritmo acelerado da inovação tecnológica. Dados do E-Government Survey 2024 revelam que apenas 63% dos 142 países avaliados possuem legislação para tecnologias emergentes, incluindo IA, uma percentagem que desce para 44 entre os 93 países que regulam especificamente o uso ético da IA na administração pública. O contraste é evidente com os 88% que já dispõem de estratégias de governo electrónico, mostrando que, apesar de avanços como o aumento de países que incluem IA nas suas agendas digitais (de 65 em 2020 para 94 em 2024), o mundo continua a regular em atraso.
O relatório destaca, contudo, o papel crescente das regulatory sandboxes como solução intermédia para testar aplicações de IA e reduzir riscos, num cenário em que a tecnologia pode acelerar o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento sustentável, ou aprofundar desigualdades, dependendo da qualidade da sua governação.
A mensagem central do relatório das Nações Unidas é clara: a IA representa uma das ferramentas mais poderosas para acelerar o desenvolvimento sustentável, mas o seu impacto depende da governação e da regulação que a enquadram, pois, sem políticas públicas orientadas por princípios de ética, equidade e transparência, o uso da IA pode ampliar desigualdades em vez de corrigi-las.
O desafio para os governos, especialmente nos países de rendimento médio e baixo - lê-se no documento consultado pela E&M -, é duplo: construir capacidade institucional para regular e, simultaneamente, garantir que a inovação tecnológica sirva efectivamente as pessoas e o desenvolvimento sustentável
O estudo aponta que, num mundo em que quase metade das metas dos ODS regista progresso marginal e 35% mostram estagnação ou retrocesso, a IA surge como um catalisador potencial de mudança, mas também como um risco sistémico se mal implementada. O desafio para os governos, especialmente nos países de rendimento médio e baixo - lê-se no documento consultado pela E&M -, é duplo: construir capacidade institucional para regular e, simultaneamente, garantir que a inovação tecnológica sirva efectivamente as pessoas e o desenvolvimento sustentável.
Menos tecnologia, mais inteligência
Segundo a pesquisa, a IA pode ser uma aliada poderosa para os ODS, desde que venha acompanhada de visão regulatória, políticas inclusivas e investimento consistente em literacia digital e capacitação humana.
Relativamente à sua implementação no sector público, lê-se no relatório, o futuro dependerá menos da tecnologia em si e mais da inteligência (política, ética e institucional) com que o mundo decidirá usá-la. E já existem bons exemplos. No Togo, por exemplo, o programa de protecção social Novissi utilizou algoritmos de aprendizagem automática combinados com dados de satélite e de telemóveis para identificar aldeias mais pobres e distribuir 22 milhões de dólares em apoios a 600 mil cidadãos urbanos durante a pandemia da COVID-19. Na Croácia, ferramentas médicas virtuais baseadas em IA auxiliam o diagnóstico primário, enquanto em Londres sensores inteligentes optimizam o trânsito urbano.
Também em países asiáticos, a IA tem sido aplicada com resultados mensuráveis. Em Singapura, o programa Moments of Life (actual Life SG) simplifica serviços públicos, desde o registo de nascimento à assistência aos idosos, e na Índia o projecto Saagu Baagu, em parceria com o Fórum Económico Mundial, aumentou em 21% o rendimento por acre (quantidade de colheita produzida por unidade de área) dos agricultores de pimenta, ao mesmo tempo que reduziu o uso de pesticidas e fertilizantes.
A ONU sublinha que, num contexto de orçamentos públicos limitados e de recuperação económica desigual, a automação inteligente pode oferecer ganhos de eficiência indispensáveis. A IA, usada de forma ética e inclusiva, tem potencial para apoiar directamente o progresso em metas críticas dos ODS, desde a erradicação da pobreza e a melhoria da saúde pública até à agricultura sustentável e à educação de qualidade.
Angola dá passo significativo com Proposta de Lei sobre IA
A Proposta de Lei sobre Inteligência Artificial (IA), apresentada pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, assinala um marco relevante para o país. No entanto, a sua leitura revela fragilidades estruturais que podem comprometer a sua execução prática. Apesar de alinhada com tendências internacionais, a proposta confronta-se com limitações tecnológicas, institucionais e económicas que podem colocar em causa a sua eficácia.
O diploma, composto por 86 artigos, inspira-se em modelos europeus e chineses, o que contribui para um enquadramento moderno mas pouco adaptado à maturidade local. Entretanto, segundo especialistas, a baixa disponibilidade de dados, a capacidade limitada de computação e a escassez de profissionais especializados tornam complexos processos como auditorias algorítmicas, certificação e fiscalização. A proposta reconhece os custos de implementação mas não apresenta estimativas financeiras nem instrumentos de financiamento, criando o risco de um quadro regulatório robusto no papel, mas de difícil execução na prática.
Outro desafio crítico reside na necessidade de infra-estruturas tecnológicas: plataformas de dados, redes inteligentes e sistemas computacionais de alto desempenho. Estas exigências colidem com a actual fragilidade da conectividade e da interoperabilidade dos sistemas públicos. Chama-se ainda atenção ao facto de a inexistência de repositórios de dados nacionais estruturados agravar o risco de dependência tecnológica externa.
Outro desafio crítico reside na necessidade de infra-estruturas tecnológicas: plataformas de dados, redes inteligentes e sistemas computacionais de alto desempenho
Ainda assim, o diploma oferece méritos substanciais. Consagra direitos fundamentais, incluindo privacidade, direito de recusa de decisões automatizadas e mecanismos eficazes de reclamação. Introduz regimes específicos para sectores sensíveis, nomeadamente saúde, justiça, imprensa e biometria, e incentiva ecossistemas de inovação, código aberto e hubs tecnológicos.
Ao alinhar-se com regulamentos internacionais e experiências regionais, Angola posiciona-se entre os primeiros países africanos com uma proposta regulatória estruturada para a IA.
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