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LIDERANÇA EM SAÚDE: Cuidar de quem cuida

Dr.ª Vera Fontes, Directora Clínica Aliva
25/9/2025
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Em saúde, liderança eficaz une humanidade e execução: cuidar da equipa para elevar o cuidado ao doente.

Liderar nunca é simples. Mas liderar em saúde é um desafio singular, porque implica gerir não apenas processos e recursos, mas pessoas que cuidam de outras pessoas — muitas vezes em situações de extrema vulnerabilidade. Nesta realidade, não basta conhecer indicadores ou aplicar protocolos: é necessário um compromisso profundo com a dimensão humana do trabalho.

A liderança compassiva encaixa-se de forma exemplar neste contexto. Ao contrário da liderança tradicional, hierárquica e mecânica, a liderança compassiva parte da empatia, da conexão genuína e da preocupação autêntica com o bem-estar da equipa. Trata-se de compreender que, para cuidar bem dos doentes, é preciso primeiro cuidar bem dos profissionais que estão na linha da frente.

Recentemente, no âmbito de um curso executivo de Liderança Eficaz na Nova School of Business and Economics, deparei-me com um conceito que reforça esta visão: o líder positivo deve ser, simultaneamente, um pouco poeta e um pouco canalizador. O poeta é visionário, sonhador e inspirador; é quem transmite propósito, dá significado às tarefas e lembra que cada procedimento é mais do que um ato técnico — é um gesto que pode mudar uma vida. O canalizador, por outro lado, é pragmático, resolutivo e orientado para resultados; é quem remove barreiras, resolve problemas e garante que as condições estão reunidas para que a equipa possa trabalhar com segurança e eficácia.

Na saúde, esta dualidade é vital. Um líder que apenas sonha, sem concretizar, deixa a equipa perdida na inspiração sem ação. Um líder que apenas resolve problemas, sem inspirar, cria um ambiente funcional, mas estéril. A liderança verdadeiramente eficaz sabe alternar entre estas duas dimensões, unindo visão e execução, emoção e pragmatismo.

O modelo do líder cuidador acrescenta a esta equação cinco atributos essenciais. O primeiro é benevolência e atenção genuína — uma qualidade profundamente ligada ao lado poeta, pois requer escuta ativa, empatia e preocupação real pelo estado emocional e físico da equipa. O segundo é o reconhecimento da individualidade de cada membro, o que significa valorizar as diferentes competências, ritmos e histórias, e criar um ambiente onde todos se sintam vistos e respeitados.

O terceiro atributo é o apoio ao crescimento e desenvolvimento profissional. Aqui, o lado canalizador manifesta-se com força: investir em formação, criar oportunidades de progressão e remover obstáculos burocráticos para que a equipa possa evoluir. O quarto é a relação de benefício mútuo entre líder e liderados — compreender que o sucesso do líder depende do sucesso da equipa, e que a confiança e o respeito se constroem em ambas as direções.

Por fim, a capacidade de inspirar e motivar com carisma completa o quadro, unindo o poeta e o canalizador numa só voz. O carisma sem ação esvazia-se; a ação sem carisma perde alma. Quando estas forças se equilibram, o ambiente de trabalho transforma-se: a rotina ganha significado, a motivação deixa de depender apenas de incentivos externos e a equipa sente-se parte de algo maior, capaz de transformar vidas todos os dias.

Mas liderar em saúde não é apenas cuidar e motivar — é também mudar. Um líder é, inevitavelmente, um vetor de mudança, porque liderar implica desafiar o status quo e melhorar continuamente os sistemas e práticas. E mudar em saúde é particularmente exigente, porque mexe com rotinas consolidadas, impacta vidas e exige um equilíbrio delicado entre segurança e inovação.

Para que essa mudança seja efetiva, o líder deve assentar em seis pilares fundamentais:

1. Por que estamos a mudar? — É essencial comunicar um propósito claro e transparente para a mudança. Na saúde, isso significa explicar de forma simples e convincente como a nova abordagem beneficiará doentes, profissionais e organização. Sempre que possível, este propósito deve estar alinhado com a missão central do cuidado.

2. Credibilidade das mensagens e dos mensageiros — Quem comunica a mudança deve ser visto como confiável e competente. Se o líder e os porta-vozes não forem respeitados, a mudança perde legitimidade.

3. Tangibilidade e visibilidade dos resultados — Profissionais de saúde precisam de perceber rapidamente que o esforço compensa. Mostrar resultados concretos, ainda que pequenos, é fundamental para manter o compromisso e a moral elevada.

4. Aspectos sociais: reciprocidade e prova social — As pessoas tendem a alinhar-se mais facilmente quando percebem que outros já o fizeram. Mostrar que equipas ou colegas de referência já adotaram a mudança cria segurança e adesão.

5. “Apelar ao elefante” — Este conceito vem da metáfora de Jonathan Haidt, que descreve o processo de tomada de decisão como composto por dois sistemas: o cavaleiro (a razão) e o elefante (as emoções e instintos). Para mudar comportamentos, não basta convencer o cavaleiro; é preciso também ganhar o elefante. Na saúde, isto significa que o líder deve falar ao coração da equipa, despertar empatia, orgulho e sentido de missão, criando uma ligação emocional que dê energia à mudança.

6. Compromisso adequado para o momento de comunicação — Nem sempre é possível pedir adesão total desde o início. Em determinados momentos, o mais inteligente é solicitar um compromisso parcial ou experimental, deixando espaço para que as pessoas se adaptem.

Na prática, um líder poeta-canalizador-cuidador que atua como vetor de mudança consegue unir todos estes elementos: inspira com propósito (poeta), garante que a mudança se concretiza com resultados visíveis (canalizador), cuida das pessoas durante o processo (cuidador) e cria as condições emocionais e racionais para que todos sintam que estão a evoluir juntos.

Investir na liderança em saúde é investir num sistema mais humano e mais eficaz. É reconhecer que cada mudança bem-sucedida começa por dentro da equipa, e que cuidar de quem cuida não é apenas uma opção — é a base para qualquer transformação duradoura.

Na saúde, liderar é cuidar, inspirar e mudar. É transformar pressão em propósito e rotina em impacto. Porque quando o líder equilibra humanidade, visão e ação, o cuidado chega mais longe e com mais qualidade.