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Novo Aeroporto de Luanda – que desenvolvimento económico? Casos práticos

Pedro Castro
4/8/2025
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Foto:
DR

A ligação ferroviária entre Luanda e o novo aeroporto não veio resolver o problema dos acessos porque foi liminarmente rejeitado por quem mais interessa: os próprios passageiros.

Muito se tem escrito e dito sobre o suposto impacto transformador do Novo Aeroporto de Luanda na economia angolana. O tema até já deu mote a conferências com os patrocinadores do costume e sem espaço para contraditório. Será mesmo assim tão linear? Um aeroporto novo pode, de facto, aterrar muitas ilusões, mas nem sempre faz descolar a economia. Neste artigo, proponho olhar para casos práticos e para algumas reflexões que partem de um princípio básico e universal no mundo dos negócios: tempo é dinheiro. Este velho adágio resume bem a natureza e o valor do transporte aéreo. A sua função primordial é justamente essa: encurtar distâncias, poupar tempo e permitir que pessoas e mercadorias cheguem rapidamente ao seu destino. A rapidez do transporte aéreo não é um luxo – é um ativo de valor que teve o seu expoente máximo nos voos do Concorde entre Londres/Paris e Nova Iorque. Como qualquer ativo valioso, quem o comercializa pretende rentabilizá-lo e quem dele beneficia para as suas deslocações está disposto a pagar mais por isso do que se tivesse de recorrer à alternativa terrestre, marítima ou outra. A poupança de tempo representa um ganho de produtividade, seja na viagem de negócios para reunir ou tratar de assuntos com a menor disrupção possível, seja naquele fim de semana de lazer em que se pretende aproveitar ao máximo o destino e que significa movimentar a economia com gastos em alojamento, restauração e atividades culturais ou turísticas. É todo este comércio facilitado por um transporte aéreo eficiente que gera o verdadeiro desenvolvimento económico.

Analisando dois casos práticos e relevantes à partida de Luanda – um doméstico e um regional – qual será o verdadeiro contributo do novo aeroporto enquanto facilitador de desenvolvimento económico?

Caso 1: Benguela/Lobito
Menos de uma hora de voo separa Luanda da Catumbela, mais concretamente 45 minutos. Mas, considerando que a maioria dos passageiros prefere estar no aeroporto com 2 horas de antecedência e que a localização do novo aeroporto poderá obrigar a sair de Luanda 2 horas antes, só neste processo temporal de acesso e de pré-embarque já lá vão 4 horas. À chegada a Catumbela, somam-se os cerca de 30 minutos de viagem entre esse aeroporto e as cidades de Benguela ou do Lobito e para quem tenha bagagem de porão, é frequente esperar 30 minutos ou mais pelas malas. Resultado: a deslocação de avião Luanda-Benguela, sem atrasos, totaliza facilmente 6 horas para um percurso que, por estrada, não é muito mais demorado…claro que a estrada não é isenta de outros riscos e problemas porque a infraestrutura rodoviária tem uma reputação tal que na Namíbia se adjetivam os maiores buracos das estradas com a palavra Angola.

Caso 2: Windhoek, Namíbia
Falando na Namíbia, país onde tantos Angolanos residem, estudam, visitam ou têm as suas consultas médicas, o voo de 150 minutos entre as duas capitais que se podem visitar mutuamente sem necessidade de visto, parece perfeitamente razoável. Mas a mesma lógica de multiplicação ineficiente do tempo aplica-se aqui também: às 2 horas de antecedência no aeroporto, acresce o cálculo de 2 horas para chegar ao novo aeroporto de Luanda. À chegada a Windhoek há que somar mais 1 hora para o percurso de 45km entre o aeroporto Hosea Kutako e a cidade. No total, contam-se mais de 8 horas porta a porta – só para o voo de ida…falta regressar.

Nestes dois exemplos não contei com os frequentes atrasos dos voos, com as chuvas torrenciais, com as estradas intransitáveis e com engarrafamentos ou com espaços aéreos fechados. A ligação ferroviária entre Luanda e o novo aeroporto não veio resolver o problema dos acessos porque foi liminarmente rejeitado por quem mais interessa: os próprios passageiros. Quem, em Angola, tem capacidade financeira para voar – seja para negócios ou lazer – não irá ajustar a sua agenda ao horário de um transporte público que, além de escasso, dificilmente levará o passageiro ao seu verdadeiro destino final na cidade.

Consequência?
Uma deslocação de negócios entre Windhoek e Luanda que, do aeroporto 4 de Fevereiro ainda é relativamente rápida, quando for transposta para o Icolo e Bengo onde se situa o novo aeroporto, passa a exigir dois dias inteiros de trabalho perdidos numa viagem de ida e volta. Que empresário ou que turista vai aceitar tamanha perda de tempo? Da mesma forma, um potencial fim de semana turístico em Benguela torna-se logisticamente inviável se feito de avião, obrigando a gastar meio dia só em deslocações – em cada sentido. É fácil imaginar que outros destinos regionais, como o Lubango, Cabinda ou Saurimo sofrerão do mesmo problema e o mesmo se diga de destinos regionais como Joanesburgo ou Cidade do Cabo. Até a rota de Lisboa será afetada por este retrocesso civilizacional se o futuro destas ligações aéreas passar a ser entre Icolo e Bengo e o aeroporto da Canha (Alcochete) em vez da ligação entre o 4 de Fevereiro e a Portela. É importante refletir se, com o novo aeroporto e 50 anos depois, a mobilidade e a rapidez destas deslocações em Angola irá, de facto, melhorar ou piorar com o novo aeroporto e agir sobre isso sem demagogia e com elevado sentido de Estado. Que desenvolvimento económico se agrega com este novo aeroporto que adiciona complexidade, tempo e custo às deslocações aéreas? Onde está o desenvolvimento? No hipotético “hub” que não existe e que exige, enquanto modelo de negócio, milhares de milhões de dólares de dinheiro público que tanta falta fazem noutras áreas de desenvolvimento muito mais impactantes?  Aqui chegados, cumpre agora resolver o resultado deste dilema num país e numa região do mundo em que a aviação comercial é essencial para garantir deslocações eficazes e à velocidade que se espera em pleno século XXI, mesmo em África.

Que desenvolvimento económico se agrega com este novo aeroporto que adiciona complexidade, tempo e custo às deslocações aéreas? Onde está o desenvolvimento?

Solução dual em nome do desenvolvimento.
Para impedir um retrocesso na mobilidade dos Angolanos – e o impacto negativo que isso teria no saudável desenvolvimento económico do país – há uma solução prática e já testada na região. A Namíbia, com o aeroporto Eros localizado no centro de Windhoek dedicado aos voos domésticos movimenta pouco mais de 80 mil passageiros/ano e o internacional Hosea Kutako a 45 (incómodos) quilómetros para as ligações intercontinentais com pouco menos de 1 milhão de passageiros, oferece um modelo funcional e replicável em Angola. No caso específico de Luanda, e tendo em conta as condições disponíveis e viáveis no aeroporto 4 de Fevereiro, seria sensato manter este ativo ao serviço das ligações domésticas e regionais mais importantes, permitindo ainda que todas as companhias, independentemente da rota, possam escolher livremente de qual aeroporto pretendem operar. Seria até muito conveniente para a própria conetividade e para a atratividade que se deseja para o país se existisse uma concorrência operacional e justa entre operadores diferentes dos dois aeroportos de Luanda que passariam a ter como meta a excelência operacional e de eficiência que inexiste neste momento. É exatamente isso que acontece na Namíbia, país com uma população muito menor e territorialmente menos vasto do que Angola. É natural que companhias aéreas focadas num modelo de operação tipo hub – em que a esmagadora maioria dos passageiros “salta” de um voo que chega para outro voo que descola logo a seguir – prefiram beneficiar das condições modernas de um novo aeroporto desenhado com essa finalidade em mente. Mas para os passageiros com origem e destino em Luanda – que compõem o grosso do mercado doméstico e regional – é essencial garantir que continuam a dispor de um acesso rápido, direto e eficiente ao sistema de transporte aéreo. Fechar ou limitar o 4 de Fevereiro por decreto seria impor uma mobilidade retrógrada, lenta e completamente desajustada à realidade nacional.

O novo aeroporto, ao ignorá-la pela exclusividade que pretende impor, compromete a competitividade, a atratividade e o próprio propósito do transporte aéreo em Angola

Voltando à velha máxima de que "tempo é dinheiro", o novo aeroporto, ao ignorá-la pela exclusividade que pretende impor, compromete a competitividade, a atratividade e o próprio propósito do transporte aéreo em Angola. Não encurta distâncias, muito pelo contrário: empurrará o país para uma nova era de ineficiência embrulhada num palácio de aço e cristal que serve para as aparências, mas onde nem sequer as deslocações em avião serão rápidas. A que preço ou em benefício de quem é que isto está a ser decidido nestes termos? E quem vai pagar os prejuízos destas novas ineficiências? Essas são, no meu entender, as perguntas sobre o desenvolvimento económico associado ao novo aeroporto que falta responder. É que, entre inaugurações, promessas e discursos, o mais provável é que o tal desenvolvimento fique parado na pista.

* Escrito à luz do Novo Acordo