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O Crepúsculo da Gestão

Walter Hinda
8/12/2025
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Foto:
DR

A gestão viva – a gestão que faz florescer pessoas e instituições – é aquela que une rigor com humanidade, autoridade com empatia, decisão com carácter.

Existe um paradoxo silencioso no mundo corporativo e institucional: o das organizações que continuam a existir não pela sua relevância ou vitalidade, mas pela simples insistência do calendário. Sobrevivem por rotina, reféns do ritual administrativo que se repete sem propósito. Nesses corredores, onde as reuniões sucedem a memorandos vazios, algo essencial já morreu: a presença viva da gestão. E é preciso coragem para reconhecer que, antes de se falar em renovação, é necessário celebrar o funeral simbólico dessa gestão falida. Não se trata de criticar a técnica, mas de resgatar o seu significado. Peter Drucker alertou-nos que gerir é uma prática moral antes de ser uma habilidade técnica. Henry Mintzberg lembrou-nos que a gestão é uma arte de relações, não de organogramas. Contudo, muitas organizações actuais são como carcaças tecnológicas, modernas na forma, mas governadas por lógicas arcaicas. São máquinas que funcionam, mas não progridem, instituições que respiram, mas não inspiram.

O vazio Ético da Decisão Acidental

O processo de morte da gestão começa quando as decisões deixam de ser consequência lógica da razão institucional e passam a ser acidentes administrativos. Quando resoluções formais tornam-se inócuas, instala-se o vazio ético. A confiança, esse cimento invisível que sustenta a corporação, evapora-se, e a autoridade transforma-se em um eco oco que precisa ser imposto, e não sentido.

A desigualdade interna, alimentada por critérios opacos, agrava essa corrosão. A Teoria da Justiça Organizacional, de Adams, ensina que a percepção de injustiça é uma força corrosiva que enfraquece o tecido social de qualquer instituição. Não é apenas sobre números ou escala salarial; é sobre sensação de que a organização perdeu a sua bússola moral de que deveria orientar as suas escolhas. Como orienta-nos a Carta Encíclica Rerum Novarum, de Papa Leão XIII, a justiça no trabalho não se limita ao cumprimento formal de um contrato, mas ao dever ético de garantir equidade e dignidade aos que sustentam a instituição. Quando esses princípios cedem, as pessoas deixam de procurar o horizonte da missão e passam a focar-se apenas na sobrevivência individual.

Liderança: O Caracter Revelado 

É no campo da liderança que o funeral assume contornos mais evidentes. A afirmação do PCA da ANRM, Dr. Jacinto Rocha, de que “o caráter de um líder influencia directamente a qualidade das decisões numa negociação”, proferida num painel durante a Conferência Internacional de Minas de Angola (AIMC), contém uma verdade universal: decisões não são atos técnicos, são atos morais. Elas revelam quem somos. 

Uma liderança que inspira cria instituições capazes de abraçar a incerteza e promover a excelência. Uma liderança que teme produz apenas obediência silenciosa e conformidade estéril.

O Burnout Institucional

Quando os colaboradores deixam de se sentir cuidados pelo seu próprio ambiente de trabalho, o “burnout” institucional manifesta-se. Este não é um fenómeno de fraqueza individual; é um sintoma colectivo de que a estrutura falhou na sua função de proteger, reconhecer e orientar. A dor passa do plano simbólico para o plano físico: ansiedade, exaustão e perda de sentido. Uma instituição não colapsa quando perde recursos; colapsa quando perde significado.

A história recente oferece-nos casos que ilustram, com gravidade, o preço dessa erosão ética. O episódio da France Télécom (actual Orange) - cujo julgamento em 2019 concluiu pela existência de assédio moral institucional - mostrou como a pressão psicológica sistemática, a desumanização das relações de trabalho e as estratégias de desgaste destinadas a provocar despedimentos criaram um ambiente tão tóxico que dezenas de trabalhadores acabaram por tirar a própria vida. Não se tratou de acidentes administrativos, mas de escolhas organizacionais que revelaram o colapso moral da gestão. É um lembrete trágico de que, quando uma instituição perde a sua bússola ética, deixa de gerir processos e começa a corroer pessoas.

Por outro lado, nenhuma organização consegue manter a reputação externa quando se fragmenta internamente. O que acontece dentro, mais cedo ou mais tarde, reflecte-se na qualidade do serviço, na consistência técnica e na postura pública. Se recorremos às escrituras, perceberemos que toda a casa dividida contra si mesma não subsistirá, e isso também é ciência institucional.

O Urgente Convite à Reinvenção

Porém, todo o funeral é também um convite à reinvenção. Uma gestão que morre deixa espaço para outra nascer. Uma filosofia organizacional que caiu em ruínas abre caminho a uma cultura centrada na dignidade, na transparência e na maturidade moral. O renascimento institucional só ocorre quando se reconhece que não se pode renovar aquilo que não se enterrou.

A gestão viva – a gestão que faz florescer pessoas e instituições – é aquela que une rigor com humanidade, autoridade com empatia, decisão com carácter. É essa gestão que o século XXI exige. E é essa que algumas organizações precisam, urgentemente, de redescobrir.