Em declarações ao Jornal Expansão, há já alguns anos, Precioso Domingos, investigador do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica, comentou a decisão do Executivo em destinar parte das receitas cobradas por uma determinada autoridade inspectiva para complementar a remuneração do seu efectivo, numa lógica de recompensa pelo trabalho, no pressuposto de que isso estimula os funcionários no exercício da sua actuação, desincentivando a substituição da multa pela “gasosa”. Como foi por si realçado, isso pode ter o efeito perverso da caça à multa, piorando o ambiente de negócios. Os relatos que oiço parecem comprovar esse receio.
Estratégias baseadas em incentivos não são fáceis de montar. Existe uma vasta literatura sobre teoria dos incentivos. É sempre muito difícil prever o efeito de recompensas na resolução de problemas. Ficou amplamente conhecido como “efeito cobra” um episódio que terá ocorrido na Índia, ao tempo da administração inglesa, que incomodada com a quantidade de serpentes que infestavam a capital, instituiu uma recompensa para quem as entregasse mortas. Só que algumas pessoas viram nisso uma oportunidade de negócio e começaram a criar cobras. Ao perceber esse efeito perverso, o governo cancelou a recompensa e o resultado foi pior: os criadores soltaram as serpentes.
A estratégia de fazer da actividade inspectiva uma fonte de rendimento tem como consequência a proliferação de placards enormes a ornamentar os nossos estabelecimentos comerciais com licenças e certificados diversos. Uma corrida das autoridades a ver quem produz mais papéis redundantes. Não me lembra de ver isso com essa dimensão em qualquer outro país. Ainda tive esperança que o programa Simplifica pudesse alterar isso.
Pode parecer contraintuitivo, mas recompensas baseadas em multas num país em que o Estado remunera mal os seus servidores pode levar facilmente à inversão de prioridades: em vez de conduzir a mudanças desejáveis, que deve ser o principal objectivo, torna a actividade inspectiva em apenas mais um custo de contexto, com o efeito semelhante ao de um tributo.
Inspeccionar uma actividade económica não é o mesmo que fiscalizar o trânsito. Não é fácil desenhar um sistema de incentivos para a inspecção de qualquer actividade económica, que na minha opinião devia operar com três linhas. A primeira linha, de prevenção e correcção voluntária, a segunda, de coerção e a terceira, de instância de recurso. A segunda linha só intervém quando esgotados os meios de persuasão da primeira linha na acção correctiva. Daí a necessidade da segregação das linhas. A multa deve ser a última das prioridades de qualquer autoridade inspectiva. O sistema de incentivos tem de ser montado respeitando esta lógica.

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