Há quatro factores que, na vida política, empresarial e em cada um de nós, podem alicerçar e alimentar a Soberba.
1- Detenção de amplos poderes;
2- Perpectuação nos cargos;
3- Sucessos anteriores, celebridade mediática, social e política indevidamente avaliados, principalmente no que lhes deu origem;
4- Escassez de mecanismos de controlo do poder.
Estes quatro factores resultam, normalmente, no desenvolvimento da soberba, senão em incompetência arrogante. Dois casos o podem demonstrar:
1- Carlos Ghosan, idolatrado como salvador da Nissan, presença frequente nas reuniões do G7, autocrático e impositivo no seu estilo de liderança, caiu do seu pedestal em 2018 sob acusão de fraude fiscal e uso abusivo dos recursos da empresa. Está refugiado no Líbano fugido à justiça Japonesa.
2- A liderança da Volkswagen. Também colocada num pedestal pelos alegados sucessos (mas falsos) da empresa em práticas e políticas de defesa do meio ambiente. Cheios de competências financeiras e tecnológicas, faltou-lhes a humildade de reconhecerem a impossibilidade de, na época, produzir veículos automóveis que fossem simultaneamente rápidos, eficientes no consumo e ambientalmente “verdes”. Adulteraram softwares que escondiam essa incapacidade, mentiram a milhões de cidadãos e colocaram uma mancha de proporções gigantescas na credibilidade alemã.
Tudo isto porque faltou coragem, nas elites dessas empresas, para denunciar e impedir essas práticas. Não quiseram colocar em causa lugares e regalias adquiridas. Na Rússia, em 1787, Potenkin, líder militar e político, ficou conhecido por, querendo impressionar a sua amante, a Imperatiz Catarina “a Grande”, mandar instalar ao longo das margens do rio Dniepre, na Crimeia, aldeias amovíveis, bonitas à passagem, que logo eram desmontadas para serem novamente erguidas mais à frente, dando assim a imagem de progresso e desenvolvimento, ao longo do passeio fluvial. Nessas margens, a população vivia pobre, desempregada e miserável. As aldeias Potenkin, assim lembradas, ficaram para sempre associadas ao esforço de iludir; dar a ideia de grandes realizações mas que de facto, na essência, eram uma pura mentira. É um processo que se mantém até atingir um ponto de saturação a partir do qual já não é possível iludir a realidade.
Tudo isto vem a propósito da notícia sobre o reajustamento do Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza ( PIDLCP), necessário, na opinião do Senhor Presidente da República, pelo facto de os programas nele inseridos não terem conhecido o impacto e a cobertura pretendidos. É o reconhecimento, de louvar, de que o programa falhou nos seus objectivos. Não se percebe contudo uma análise exaustiva sobre as causas. Seria muito importante fazê-lo. No Decreto Presidencial 156/25 de 08 de Agosto passado, define-se como novo objectivo baixar o impacto da pobreza extrema de 31% para 28% até 2027. Serão apenas 3%, mas representa uma tarefa hercúlea se percebermos que dados do INE de 2023 apontam para números diferentes. 44, 8% de insegurança alimentar extrema na área rural e 40,6% na urbana. A meta 2027 suscita um tempo eleitoral (talvez por delimitação de mandato governativo) mas parece-me curta, demasiado curta, para a dimensão do problema. Os 3% não resolverão o problema. É dramático perceber que quatro em cada dez famílias passam 24 horas sem praticamente uma refeição, com efeitos cognitivos trágicos para as crianças e seu futuro. Esta era uma realidade por muitos percebida, mas recusada por uns poucos. As populações não têm apenas falta de comida. Têm falta de meios para a obter. Não há renda suficiente em virtude de, no campo, não conseguirem escoar os seus produtos, o que condiciona qualquer aumento da produção. Não há empregos, o que conjugado com a Inflação corroi de todo o poder de compra. O desinvestimento na Educação (formação de qualidade), sector que no passado conheceu um Estado mais responsável (até 1992) criou um exército de jovens com baixas competências e alvo do abandono fácil. O aumento das propinas, no ensino privado, retira, por incapacidade financeira das famílias, os jovens da escola. Há que rever, com urgência, esse processo. Há que usar os dinheiros públicos em acções que visem, em primeira mão, o combate à pobreza e à exclusão. Na minha óptica, há que alterar o modelo de governação para um mais participativo, onde emerja vontade política e muita humildade. Gorbatchov, Presidente russo já falecido, acabou com as “aldeias Potenkin”. Visitava, sem antecipadamente avisar os seus auxiliares, hospitais, fábricas, escolas, centros sociais, cooperativas e outros. Isso impedia acções de fachada e permitia constatar realidades muitas vezes menos boas, mas sempre, dessa maneira, susceptíveis de correcção. Preparar visitas com avisos prévios, permite acções de cosmética que escondem ao líder a realidade e a verdade dos factos. Visitas sem grandes aparatos, além de eficazes, permitem uma redução substantiva de custos. A forma de agir do líder russo é credível, recomendável e útil para todos os tipos de liderança, sejam políticas ou empresariais, ou nas famílias. A agitação social, recentemente vivida, deve sociologicamente ser estudada ainda que condenando-se frontalmente o saque e o assalto de bens públicos e privados. O papel das autoridades não deve ser questiondado na sua obrigação de salvaguardar o bem público dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos. Evitar e antecipar os problemas é uma marca de boa governação.
O aumento do preço dos combustíveis, rastilho para o que recentemente vivemos, podia ter sido contrariado, em termos sociais, com o subsídio aos transportes públicos, de carga e meios rurais. Feitas as contas, nada se perdia. Mas alguém tem de saber ouvir.
Amamos todos o nosso país, todos, sem excepeção, somos parte dele. Como dizia a historiadora Maria da Conceição Neto, não sendo o “bem comum” a simples soma dos interesses e desejos de cada pessoa, ele só pode ser definido colectivamente, através de discussão, participação, convergências e consensos. O que leva à inevitável conclusão de que cada um de nós tem o direito e o dever de pensar e opinar sobre o destino comum. O discurso de tomada de posse do Presidente da República, no início do primeiro mandato, de 2017, é um documento notável nesse sentido.

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