Recentemente, surgiu uma medida que condiciona a manutenção do NIF activo à obrigatoriedade de as empresas terem um contabilista devidamente inscrito na Ordem dos Contabilistas e Peritos Contabilistas de Angola (OCPCA). Tal decisão levantou um debate sobre se esta exigência representa um mecanismo legítimo de reforço da conformidade fiscal ou se constitui uma barreira desproporcional à iniciativa privada e à liberdade económica.
1. Fundamentos da Constituição da República de Angola e do Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal
O Número de Identificação Fiscal (NIF) constitui a porta de entrada do contribuinte no sistema tributário angolano, permitindo a sua identificação junto da Administração Geral Tributária (AGT). Assim nos termos do Decreto Presidencial n.º 245/21, de 04 de Outubro, O NIF é o Número de Identificação Fiscal atribuído por entidade competente ou sequencialmente gerado de forma automática pelo sistema do registo geral de contribuintes e que tem como finalidade identificar as pessoas singulares, colectivas ou entidades equiparadas no âmbito de suas relações jurídico-tributárias; (art. 1.º e art. 3.º, al.º b do RJNIF).
O Decreto citado anteriormente estabelece a obrigatoriedade do registo das pessoas singulares e colectivas, ou entidades equiparadas, e a consequente obtenção do NIF. Do mesmo modo, define os procedimentos para a atribuição, utilização e cessação do NIF, estabelecendo que estes se encontram sujeitos aos princípios da legalidade, obrigatoriedade, veracidade, unicidade e demais princípios vigentes no Sistema Tributário Angolano. (art. 4.º, nº 1, e 2 do RJNIF).
1.1 O Princípio da Legalidade e o da Proporcionalidade
No sistema tributário, o princípio da legalidade é como o semáforo que nunca pode falhar: se a luz da lei não estiver verde, nenhum imposto pode avançar, porém sem o princípio da legalidade, o sistema tributário perde o rumo e transforma dever fiscal em arbítrio, ou melhor o imposto deixa de ser dever cívico e passa a ser mero abuso do poder. É através da aplicação deste princípio que se atribui ao detentor do Poder Tributário a competência tributária, ou seja, o poder ou aptidão, outorgado constitucionalmente aos entes públicos, para que estabeleçam leis que instituam tributos e ademais obrigações para o seu correcto funcionamento. (art. 6.º, e 102º da CRA).
De igual modo, procuramos destacar a importância da aplicação e respeito do princípio da proporcionalidade, este é, pois, considerada como princípio geral de limitação da atividade do poder público – quer no que respeita à concretização de princípios jurídicos (como a subsidiariedade), quer quanto a medidas restritivas de direitos fundamentais – assumindo uma relevância crescente no plano da jurisprudência constitucional comparada. Conforme é citado por DULCE, CATARINA e FRANCISCO na obra O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
A Constituição da República de Angola (CRA), nos termos do artigo 57º Restrição de direitos, liberdades e garantias e, diz-nos claramente que:
“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
“As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão nem o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
A interpretação do texto acima é fundamental, pode constituir um exemplo muito claro sobre a aplicação da proporcionalidade quanto a medidas restritivas de direitos fundamentais. Isto quer dizer que a restrição de direitos, liberdades e garantias devem ser observados o princípio da proporcionalidade, a necessidade, a adequação e a justa medida.
De igual modo interpretando o artigo 58.º (Limitação de direitos, liberdades e garantias), percebe-se que este determina que só a lei pode restringir direitos fundamentais, e mesmo assim apenas nos casos expressamente previstos na Constituição.
1.2 A liberdade económica e a iniciativa privada e a problemática dos NIFs.
A Constituição da República de Angola consagra, de forma inequívoca, os direitos fundamentais à propriedade privada e à livre iniciativa económica, pilares essenciais para o desenvolvimento sustentável e inclusivo do país. O artigo 37.º da CRA garante a todos o direito de possuir, transmitir e usufruir da propriedade, reconhecendo a sua função social e estabelecendo que apenas em situações de utilidade pública, devidamente justificadas e mediante justa indemnização, o Estado poderá proceder à expropriação.
De igual modo, o artigo 38.º da CRA eleva a livre iniciativa económica à categoria de direito fundamental, assegurando a liberdade de empreender, investir e cooperar, dentro dos limites da Constituição e da lei. Trata-se de uma garantia não apenas formal, mas estratégica, pois promove e protege a atividade económica privada, nacional e estrangeira, como motor do crescimento, da emancipação tecnológica e da justiça social.
A livre iniciativa é tida como um pilar do capitalismo e a liberdade económica uma expressão mais ampla dessa autonomia para actuar no mercado sem excessiva interferência estatal, e assim é garantida a protecção das pessoas e empresas de agirem com segurança, para garantirem o desenvolvimento económico e para um sistema capitalista funcional numa Economia de Mercado como é constitucionalmente definida à nossa nos termos da Constituição sobre a Organização Económica, Financeira e Fiscal. Neste enquadramento, qualquer política fiscal, regulatória ou administrativa que condicione o exercício da iniciativa privada – como, por exemplo, a obrigatoriedade de requisitos adicionais para o acesso ao Número de Identificação Fiscal (NIF) – deve ser analisada à luz destes princípios constitucionais, de modo a assegurar que não se transformem em obstáculos desproporcionais ao investimento e ao desenvolvimento empresarial.
2. Os Contabilistas e o Dilema dos NIFs das Empresas
A Lei da Contabilidade e Auditoria (Lei 3/01 de 23 de Março) estabelece de forma clara que a elaboração e organização da contabilidade, bem como a preparação das demonstrações financeiras, só podem ser realizadas por profissionais devidamente inscritos na Entidade Representativa dos Contabilistas e dos Peritos Contabilistas. (Art. nº 01, 02, e 03). Tal enquadramento jurídico visa garantir a qualidade da informação financeira, a transparência das operações económicas e o cumprimento das obrigações fiscais e legais.
Contudo, a recente medida que condiciona a manutenção do Número de Identificação Fiscal (NIF) activo à obrigatoriedade de as empresas possuírem um contabilista inscrito, levanta um debate jurídico e económico relevante. Se, por um lado, a lei já assegura que apenas profissionais credenciados podem exercer a contabilidade, reforçando a credibilidade do sistema fiscal, por outro, a imposição directa de tal requisito como condição para o acesso ao NIF pode representar uma barreira excessiva, sobretudo para empresas cujo abrangidas ao Regime Especial das Micro e Pequenas Empresas, ou também para as empresas do Regime Simplificado do Imposto Industrial, uma vez que os contribuintes sujeitos a este regime devem utilizar, para efeito de declaração fiscal, o Modelo de Declaração Simplificada, nos termos regulamentares, dispensando assim a obrigação de possuir um Contabilista para efeitos de declaração e prestação de contas.
3. Os riscos jurídicos e económicos do alargamento indevido do poder da Administração Tributária na suspensão do NIF”
O regime jurídico vigente define de forma taxativa as situações em que o Número de Identificação Fiscal (NIF) pode ser suspenso, limitando-se a hipóteses de incumprimento das obrigações tributárias, inatividade prolongada, fortes indícios de crimes fiscais ou, ainda, por solicitação voluntária do próprio contribuinte. Em todos os casos, a lei exige garantias mínimas, como a notificação prévia e a possibilidade de recurso, assegurando a protecção da segurança jurídica.
Nesse enquadramento, a medida recentemente anunciada pela Administração Geral Tributária (AGT), que condiciona a manutenção do NIF ativo à obrigatoriedade de contratação de um contabilista, revela-se incompatível com o diploma legal em vigor. A ausência de contabilista não figura entre as causas legais de suspensão do NIF, e a criação de tal requisito por via de orientação administrativa constitui uma extrapolação do poder discricionário da AGT, violando o princípio constitucional da legalidade tributária.
Os efeitos da suspensão do NIF ultrapassam em muito a esfera fiscal, atingindo actos da vida civil, económica e administrativa, como a abertura de contas bancárias, a emissão de passaporte, a obtenção de licenças e a inscrição em ordens profissionais. Assim, vincular o NIF à contratação de contabilista expõe contribuintes, sobretudo micro e pequenas empresas, a uma exclusão forçada do sistema formal, impondo encargos desproporcionais e contrariando o princípio constitucional da livre iniciativa económica.
Em nossa opinião, uma medida desta natureza, adotada sem respaldo legislativo, representa risco para a segurança jurídica e para o equilíbrio do sistema económico. O reforço da conformidade fiscal deve ser buscado por meios proporcionais e legalmente previstos, como a fiscalização efectiva, a auditoria fiscal e a promoção da literacia tributária, e não pela criação de barreiras administrativas que acabam por fragilizar a confiança dos contribuintes no sistema, pensamos que devem as autoridades competentes refletir em torno do equilíbrio entre o legítimo objectivo do Estado em garantir conformidade fiscal e a necessidade de preservar a liberdade de iniciativa económica, prevista na Constituição da República de Angola. O desafio está em assegurar que a regulação da profissão contabilística não se transforme em obstáculo à formalização e ao dinamismo empresarial, mas sim em instrumento de confiança e sustentabilidade para a economia nacional. Por isso, é fundamental que tais medidas sejam discutidas e aprovadas no foro legislativo competente, de modo a garantir o respeito pelos limites constitucionais e pela ordem jurídica estabelecida.

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