Durante séculos, a linguagem médica esteve profundamente ligada à doença. No próprio vocabulário, termos como doente ou paciente dominaram a forma como os profissionais de saúde e as instituições se referiam às pessoas que procuram cuidados. No entanto, à medida que a medicina evolui e a sociedade exige um serviço mais humano, próximo e completo, também as palavras se transformam. Hoje, cada vez mais hospitais de referência, em Portugal e no mundo, optam por falar de clientes e não de doentes ou pacientes.
Esta mudança não é um detalhe sem importância. É um reflexo de uma transformação estrutural na forma como entendemos a saúde — uma mudança que afecta não só a prestação de cuidados, mas também o relacionamento entre as instituições e as pessoas que nelas confiam.
A origem da palavra “paciente”
O termo “paciente” tem origem no latim patiens, que significa “aquele que sofre” ou “aquele que suporta”. É uma palavra que carrega uma visão muito específica: a pessoa encontra-se doente, numa posição passiva, recebendo cuidados e aguardando pela ação do médico.
Durante muito tempo, este conceito fez sentido. O modelo médico tradicional era centrado no profissional de saúde, e a relação estabelecia-se de forma vertical: o médico como autoridade, o paciente como receptor. O foco estava quase exclusivamente na cura ou no alívio da doença, e não tanto na experiência ou no envolvimento da pessoa nos seus próprios cuidados.
Do “doente” ao “cliente” — uma mudança de paradigma
Nas últimas décadas, este modelo começou a ser questionado. A evolução da medicina, o avanço tecnológico, a democratização do acesso à informação e a mudança de expectativas sociais transformaram radicalmente a relação médico-pessoa.
Hoje, muitos procuram hospitais e clínicas não apenas quando estão doentes, mas também para prevenir, monitorizar ou melhorar a sua qualidade de vida. Check-ups, consultas de nutrição, programas de longevidade, cuidados de saúde mental e tratamentos de bem-estar são exemplos de serviços que fazem parte de uma oferta cada vez mais ampla.
Neste contexto, o termo “cliente” faz mais sentido. Ele transmite a ideia de escolha, autonomia e participação activa. Uma pessoa não é definida apenas pela sua condição clínica: ela é alguém que decide, compara, avalia e seleciona onde quer ser atendida. Tal como na hotelaria, na banca ou na educação, a experiência e a relação de confiança com a marca são determinantes.
Exemplos de uma tendência mundial
A abordagem centrada no cliente não é teórica — ela já está em prática nas instituições mais reputadas do mundo.
- Mayo Clinic (EUA): reconhecida pela excelência clínica, mas também pela experiência que proporciona, trata cada interação como parte de uma jornada personalizada. O seu conceito de patient experience é gerido com ferramentas e métricas comparáveis às de customer experience.
- Cleveland Clinic (EUA): com o lema Patients First, aplica princípios de gestão de clientes, avaliando e melhorando continuamente cada ponto de contacto, desde a marcação online até ao acompanhamento pós-tratamento.
- Bupa (Reino Unido e Internacional): utiliza de forma assumida o termo “customers” para designar todos os que interagem com os seus serviços, sejam eles de tratamento, prevenção ou bem-estar.
- Apollo Hospitals (Índia e Ásia): líder na integração de saúde digital, vê cada utilizador como um cliente cuja jornada começa antes da primeira consulta e se prolonga na monitorização contínua e personalizada.
Em Portugal, a CUF Saúde e a Luz Saúde adoptam esta visão moderna, utilizando o termo “cliente” na comunicação institucional e implementando áreas dedicadas à “Gestão da Experiência do Cliente”. Ambas reconhecem que a escolha de um hospital é influenciada por mais do que fatores clínicos — envolve confiança, conveniência e qualidade global de serviço.
A experiência como parte do tratamento
Houve também uma mudança fundamental: a saúde deixou de ser apenas “curar” e passou a ser “cuidar”.
Nestes hospitais de referência, a qualidade do serviço não é medida apenas pelo resultado clínico, mas também pelo acesso, pelo acompanhamento, pelo conforto e pela experiência emocional. O termo “cliente” reforça essa abordagem: trata-se de alguém que, independentemente do motivo da visita, deve ter uma experiência positiva, sentir-se ouvido, respeitado e valorizado.
Uma linguagem que aproxima
Se, no passado, a linguagem médica criava distância e autoridade, hoje a tendência é aproximar. Falar de clientes, em vez de doentes, é também um exercício de humanização.
Chamar alguém de “doente” pode reforçar uma identidade que a pessoa não quer assumir ou que não corresponde à sua realidade naquele momento. Por exemplo, alguém que vai a um hospital para fazer fisioterapia preventiva ou um exame de rotina dificilmente se identifica como “doente”. O termo “cliente” é mais abrangente e inclusivo, abarcando todas as interações que uma pessoa pode ter com uma instituição de saúde — seja para tratar, prevenir ou simplesmente cuidar.
O peso da escolha e da confiança
Outra razão para esta mudança de terminologia é o próprio mercado da saúde. Com o aumento da concorrência e a diversidade de oferta, as pessoas têm mais poder de escolha do que nunca.
Num mundo onde podemos comparar clínicas, ler avaliações, pesquisar tratamentos e escolher médicos com um simples clique, as instituições de saúde precisam de se posicionar também como marcas. Tal como num hotel ou numa universidade, o cliente escolhe onde vai, não apenas pelo preço ou pela proximidade, mas pela reputação, pelo atendimento, pelo ambiente e pela confiança que a marca transmite.
Da hotelaria à saúde — as lições da gestão de clientes
O sector da saúde tem muito a aprender com outros sectores que colocam a experiência do cliente no centro da operação. Práticas como Customer Relationship Management (CRM), personalização de serviços, programas de fidelização e acompanhamento proactivo já são comuns em hospitais de topo.
Na hotelaria, por exemplo, um hóspede é conhecido pelo nome, tem preferências registadas e é recebido com atenção personalizada. A mesma lógica está a ser aplicada à saúde: conhecer o histórico do cliente, antecipar necessidades e criar uma experiência coerente e positiva em todos os pontos de contacto.
O impacto na cultura interna
Adoptar o termo “cliente” não muda apenas a forma como nos dirigimos ao público — muda a forma como trabalhamos internamente. A palavra molda atitudes.
Quando os colaboradores de um hospital pensam em “clientes”, tendem a colocar-se numa postura de serviço mais activa, focada na satisfação, na resolução de problemas e na personalização da experiência. A relação deixa de ser apenas clínica e passa a ser também relacional e de fidelização.
Conclusão: cuidar da vida, não só da doença
A mudança de “doente” para “cliente” não é apenas semântica. É o reflexo de uma transformação profunda no sector da saúde — uma passagem de um modelo centrado na doença para um modelo centrado na vida.
Na prática, significa reconhecer que cada pessoa que entra numa instituição de saúde traz consigo mais do que um diagnóstico: traz expectativas, história, escolhas e direitos.
No fim, seja em Portugal, nos Estados Unidos ou em qualquer parte do mundo, a tendência é clara: quem procura cuidados de saúde é mais do que um paciente que sofre. É um cliente informado, activo e exigente, que valoriza tanto a qualidade clínica como a qualidade da experiência. E é dever das instituições modernas responder a essa exigência com o mesmo cuidado, respeito e excelência com que cuidam da saúde.

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