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Sistema de facturação: Um passo decisivo para a formalização económica em Angola?

Nuno Orlando
27/8/2025
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Cedida pela fonte

O sistema de facturação não é apenas um requisito contabilístico, mas sim o ponto de partida de todo o processo declarativo-fiscal.

1.  Fundamentos da Constituição da República de Angola e o sistema de facturação como mecanismo de declaração.

A Constituição da República de Angola estabelece a obrigação geral de pagar impostos, como um dever fundamental de todos, garantindo o cumprimento fiscal e sustentando a justiça e eficiência do sistema tributário. Desta feita os impostos são instituídos para captação de receitas públicas destinadas a assegurar a manutenção e regular o funcionamento da máquina estatal.

O pagamento de impostos no nosso país pressupõe na maioria dos casos, a existência de mecanismos declarativos prévios, sem os quais não há como se apurar corretamente a matéria colectável. Esses mecanismos podem ser dependente directa ou indirectamente do sistema de facturação utilizado pelas entidades.

O sistema de facturação não é apenas um requisito contabilístico, mas sim o ponto de partida de todo o processo declarativo-fiscal. Sem facturação adequada, não há como declarar nem pagar impostos de forma regular e transparente. Assim, o Sistema de Facturação é parte essencial do mecanismo de verificação declaração e cobrança de impostos, exigindo suporte legal e constitucionalmente adequado. Conforme estabelecido no Código Geral Tributário, é exigido a obrigação formal dos contribuintes em manter registos, emitir facturas e declarações acessórias.

2.  O novo Regime Jurídico das Facturas como mecanismo para formalidade do Sistema tributário e da Economia

A Informalidade do tecido empresarial angolano é reconhecida mas não deve condicionar ou limitar a modernização do Sistema Tributário, isto é, o reconhecimento da informalidade exige encontrar as soluções que mais se adaptam ao contexto angolano, não se podendo ignorar a necessidade de mudança. A formalização das transacções através da obrigatoriedade e regulamentação das facturas é um passo essencial e estruturante para esta formalização e está em linha com as melhores práticas internacionais. Assim, o Regime Jurídico das Facturas (RJF) permite alinhamento com os Códigos de Imposto Industrial, Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado e outros Impostos existentes no quadro fiscal angolano.

No contexto actual com a introdução do novo Regime Jurídico das Facturas:

  • As facturas e documentos fiscalmente relevantes constituem a prova essencial das transações económicas;
  • É através da facturação que se formam as bases para as declarações fiscais em sede de Impostos que vigoram no nosso ambiente fiscal como (Imposto Sobre o Valor Acrescentado - IVA, Imposto Industrial);
  • A inexistência ou irregularidade na emissão de facturas implica custos não dedutíveis, e pode configurar evasão fiscal.

2.1 Síntese Evolutiva da Implementação da Auto-facturação

A implementação do Regime Jurídico das Facturas veio introduzir em Angola a figura da auto-facturação, uma medida inovadora que procura dar resposta a um dos maiores desafios da nossa economia: a integração dos pequenos produtores, artesãos e prestadores de serviços que, pela sua condição informal, não possuem capacidade para emitir facturas ou documentos equivalentes.

A autofacturação em Angola já tem um historial de 7 anos de enquadramentos jurídicos em diferentes diplomas e etapas:

1.  DP 292/18 (2018) – Criou a figura da autofacturação, mas de forma limitada e restritiva, aplicada apenas ao setor da hotelaria/restauração e com um limite de 10% do total de custos das mercadorias vendidas e matérias consumidas, quanto a emissão de Facturas/Recibos desde que sejam exclusivamente aquisições de produtos dos sectores agricultura, silvicultura, aquicultura, apicultura, avicultura, pescas e pecuária.

2.  DP 194/20 (2020) – Alargou o regime para todo o sector primário e serviços de pessoas singulares, estabelecendo 20% e 60% de limites, obrigatoriedade de retenção e regras detalhadas.

3.  DP 144/23 (2023) – Consolidou e atualizou: incluiu artesanato, manufactura e bens móveis registados, fixou os limites em 20% e /40%, reforçou as coimas e endureceu reporte (25 Miliões de Kwanzas).

4.  DP 71/25 (2025) – Actual - Integra a autofacturação no novo Regime Jurídico das Facturas, mantendo os limites de 20% e 40%, consolidando a obrigatoriedade de cadastro na AGT e reforçando o reporte eletrónico e a rastreabilidade, incluindo o Estado como adquirente.

Em suma, o instituto da auto-facturação em Angola evoluiu de uma medida experimental restrita (2018), para um regime transitório de integração do sector informal (2020), até à sua consolidação em 2023. Finalmente, em 2025, passa a estar plenamente integrado no Regime Jurídico das Facturas, transformando-se num instrumento estratégico de formalização, arrecadação e fiscalização fiscal.

2.2 Auto-facturação no novo Regime Jurídico das Facturas.

O DP 71/25 de 20 de Março que aprova o Regime Jurídico das Facturas, estabelece de forma geral a continuidade normativa, o legislador veio também colmatar a lacuna dos operadores informais que não possuíam capacidade para emitir facturas. Agora, o adquirente assume a obrigação de emitir a factura em nome do fornecedor, garantindo assim que:

  • A operação seja registada e declarada eletronicamente;
  • Os impostos devidos sejam retidos na fonte (Imposto Industrial, nos casos de Aquisição de bens, ou IRT, nos casos de prestações de serviços);
  • A Administração Geral Tributária disponha de informação suficiente para controlo e fiscalização.

Nos termos do Artigo 11.º do Diploma, a auto-facturação pode ser efectuada por entidades com residência fiscal em Angola (Residência Fiscal – é a condição jurídica atribuída à pessoa singular ou colectiva que, por força da legislação tributária angolana, se encontra sujeita ao pagamento de impostos em Angola. Este conceito abrange todas as pessoas que, pela sua ligação ao território nacional, estão globalmente sujeitas à tributação em Angola, respeitando as regras de desempate previstas em acordos de dupla tributação), que possuam contabilidade organizada e adquiram, no território nacional, bens ou serviços de pessoas singulares ou pequenos operadores sem estrutura formal. Trata-se, portanto, de um mecanismo em que o comprador emite a factura em nome do fornecedor, assegurando o registo fiscal da operação.

Este regime é aplicável sobretudo a produtos do sector primário (agricultura, pescas, pecuária, apicultura, aquicultura, artesanato), mas também a serviços de natureza diversa prestados por indivíduos sem capacidade formal de facturação.

Aplicam-se também ao Estado, enquanto adquirente de bens ou serviços, podem aplicar o regime de auto-facturação. Esta medida é de vantagem porque possibilita uniformizar os processos de aquisição pública e garantir maior rastreabilidade das operações, e conformidade de boas práticas, já que o próprio Estado passa a respeitar os mecanismos de emissão documental exigidos pelo novo ordenamento jurídico.

 2.2.1 Garantias de transparência e requisitos legais

As facturas emitidas no âmbito da auto-facturação devem conter todos os elementos exigidos pelo diploma (Artigo 10.º Requisitos Obrigatório das Facturas), incluindo a menção expressa «Auto-Facturação». Quando o fornecedor não possuir NIF, podem ser usados outros documentos de identificação (BI, cartão de residente, carta de condução, assento de nascimento).

Os duplicados das facturas devem ser entregues ao fornecedor, garantindo-lhe acesso à informação. Adicionalmente, os adquirentes têm a obrigação de submeter eletronicamente os dados no mapa de fornecedores, assegurando transparência e rastreabilidade.

2.2.2 Limites e responsabilidade fiscal

Um dos pontos mais relevantes está no Artigo 13.º, que impõe limites:

·        As facturas de auto-facturação não podem ultrapassar 20% dos custos totais da rubrica de custos das mercadorias vendidas e das matérias consumidas e da rubrica de custos com fornecimento e serviços de terceiros da entidade emitente.

·        Em casos em que os bens adquiridos sejam essenciais ao objecto social do comprador, este limite pode ir até 40%.

Além disso, os adquirentes que emitem auto-facturas estão obrigados a reter impostos na fonte:

·        Imposto Industrial nas aquisições de bens, a taxa não liberatória de 2% ;

·        Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT) nas aquisições de serviços, a taxa de 6,5%;

·        Ou seja, a auto-facturação não apenas regulariza a transação, mas também garante a arrecadação fiscal imediata.

2.2.3         Responsabilidade Reporte na Auto-facturação

As entidades sujeitas ao regime de auto-facturação que actuam no comércio a grosso são obrigadas a reportar à Repartição Fiscal sempre que realizem vendas a pessoas singulares iguais ou superiores AKz 25.000.000,00. O Objetivo é de reforçar a rastreabilidade de operações de grande volume, evitando práticas de ocultação de rendimentos, fraude ou branqueamento de capitais. Em nossa opinião, as empresas formais passam a ser preferidas nos grandes fornecimentos, reduzindo a concorrência desleal praticada por operadores informais e, por isso, conseguem preços artificialmente baixos. Isso fortalece a receita fiscal do Estado e equilibra o ambiente de negócios.

3.      Qual é base de cálculo para o Limite da Auto-Facturação?

A base de cálculo é o valor efectivo do total da rubrica de custos das mercadorias vendidas e das matérias consumidas e da rubrica de custos com fornecimento e serviços. Porém, não se consegue clarificar se deve ser resultante da contraprestação acordada entre as partes, ou seja, o cálculo incide sobre a operação concreta ou outras realizadas que já foram alvos de contabilização e reporte nas Demonstrações Financeiras. Todavia, verifica-se que a lei não é suficientemente clara quanto à definição da base de cálculo específica em sede de autofacturação.

4.      Sugestão da mudança da base de Cálculos

O novo Regime Jurídico das Facturas na instituição da auto-facturação não explicita se essa base deve considerar: o valor acordado no contrato, o preço de mercado, ou uma eventual média ou histórico de transações anteriores. Esta omissão legislativa pode originar interpretações divergentes entre contribuintes e a Administração Geral Tributária (AGT), aumentando o risco de: rejeição de facturas emitidas em autofacturação, litígios sobre a dedutibilidade e aceitação de custos em sede de Imposto Industrial.

Denota-se que a norma jurídica carece de maior clareza e regulamentação específica para evitar dúvidas interpretativas e assegurar segurança jurídica às empresas que recorrem à autofacturação.

Para reforçar a segurança jurídica e a previsibilidade dos operadores económicos, sugere-se que o legislador estabeleça que, na ausência de elementos concretos no momento da operação, a base de cálculo da autofacturação possa ter como referência os valores transacionados no ano anterior.

A nossa sugestão visa garantir que as empresas encontrem um critério objectivo e previamente definido para emitir auto-facturas, evitando interpretações arbitrárias e reduzindo risco de penalizações por base de cálculo incorreta.

Assim, ficaria respeitado, pois o contribuinte teria regras claras e previsíveis para o cumprimento das obrigações fiscais, garantir a equidade tributária evitando discrepâncias abruptas entre valores facturados e registados, reforçando a confiança entre adquirente, fornecedor e AGT, e facilitar o planeamento interno de empresas e contabilistas, que poderiam antecipar valores aproximados para autofacturação.