Há anos que se coloca o turismo moçambicano como um verdadeiro potencial capaz de ajudar a economia que muito clama pela diversificação de contribuintes na colecta de receitas. E do lado dos operadores turísticos, a paciência é cada vez mais escassa, pela tão prometida solução dos problemas que aflige o sector.
O potencial turístico, porém, nunca saiu do papel. Os operadores na área vivem de promessas que não se cumprem, alimentando ainda uma frustração que se renova a cada discurso dos governantes, pois os problemas são tão conhecidos, mas o que tarda é a sua solução.
Na verdade, o país dispõe de um grande potencial para o desenvolvimento do turismo de lazer e de conservação associado à sua extensa costa marítima de cerca de 2700 km, mas também por dispor de diversas áreas de biodiversidade e experiências ecológicas únicas. Ainda assim, o seu contributo para a economia continua longe de justificar o potencial existente, sendo responsável actualmente por apenas 4,02% do Produto Interno Bruto (PIB) moçambicano, ainda que as estimativas do governo apontem para uma projecção de 6% em 2029.
Vários estudos, entre eles do Banco Mundial, confirmam a existência desse potencial, assinalando que o sector do turismo, assume em Moçambique, uma importância estratégica para a economia nacional, por possuir uma actividade com grande capacidade de gerar emprego, atrair investimento estrangeiro e criar oportunidades para pequenas e médias empresas, sobretudo nas áreas rurais. Exemplo disso, o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, referiu aquando da sua recente visita à Moçambique, que o turismo tem mais “efeito multiplicador na geração de emprego por cada dólar investido”, prevendo que o sector possa até 2029, empregar cerca de 22 115 pessoas contra os actuais 14 603.
Mas, para além de ser um importante gerador de divisas, o turismo tem também um papel relevante na promoção da imagem internacional do país, fortalecendo a diplomacia económica e a integração regional.
Contudo, a falta de uma estratégia sólida no sector, associado a um conjunto de factores como o défice de infra-estruturas e das vias de acesso são apontados sendo os principais obstáculos para a exploração desse manancial na sua plenitude. Mas a falta de investimento parece resumir todos os problemas que o turismo moçambicano se depara.
Falta de investimento
Para o economista Clésio Foia, os problemas do turismo moçambicano são vários, mas falta de investimento em todo conjunto que compõe o sector com belezas naturais excepcionais e biodiversidade é o fundamental. Por isso entende que com políticas direccionadas e investimento público‑privado bem coordenado, o sector pode tornar‑se num motor significativo de crescimento económico inclusivo e de diversificação da receita.
“Não é novidade que o sector enfrenta vários desafios estruturais (transporte deficitárias, custos operacionais elevados, escassez de mão-de-obra qualificada sobretudo na gestão sustentável, etc), mas com um investimento sério e políticas ajustadas à realidade moçambicana, o sector tem um grande potencial para assumir papel importante na economia. Tudo depende de um comprometimento sério por parte do Governo e sector privado”, defende Clésio Foia.
Os problemas de investimento no turismo moçambicano mereceram também debate durante a primeira edição do Fórum Africano de Diplomacia, Turismo e Investimento (ADTIF) 2025, que decorreu em Maputo na semana passada.
No evento, organizado pelo Conselho Africano de Turismo (ATB) em parceria com a Sexta Região Global da União Africana (AU6RG), a Comunidade Económica da África da Sexta Região (ECASR) e a Comissão Africana de Turismo (ATC), o Governo moçambicano, através da primeira-ministra, Benvinda Levi, assumiu que apesar de Moçambique dispor de um potencial turístico inquestionável, aliado a sua localização estratégica, gastronomia, natureza e diversidade cultural, que constituem oportunidades ímpares a ter em conta, o investimento no sector continua a ser o principal entrave para o crescimento que tanto se almeja.
Na ocasião, Levi garantiu que o Governo está determinado a trabalhar para a melhoria do ambiente de negócios e de investimento. “Estamos determinados a continuar a melhorar o ambiente de negócios e de investimento, sobretudo na simplificação de procedimentos administrativos, no reforço do quadro legal e regulatório, na promoção de mecanismos de financiamento acessíveis e na criação de incentivos específicos para o investimento no turismo e áreas conexas”, assegurou.
Enquanto isso, os operadores turísticos consideram haver ainda mais entraves que fazem com o que sector continue sub-explorado ou sub-aproveitado. À Revista Economia e Mercado, o presidente da Associação das Agências de Viagem e Operadores Turísticos em Moçambique, Mohammed Abdullah, explica que o turismo moçambicano continua a ser explorado num campo sem disciplina e muito menos com visão estratégica.
A fonte lembra que países como Tanzânia, África do Sul e Namíbia conseguiram posicionar-se como destinos de referência graças à consistência nas políticas e ao foco na experiência do visitante. Neste sentido, assumindo esses países como exemplo, o responsável não tem dúvidas que “Moçambique tem recursos naturais e culturais para ser igualmente competitivo”.
“O potencial do sector é muito superior ao desempenho actual, e para desbloqueá-lo precisamos de uma estratégia mais consistente, com investimento em infra-estruturas, maior conectividade aérea, promoção internacional contínua e, acima de tudo, previsibilidade e estabilidade nas políticas públicas”, anuiu Mohammed Abdullah, defendendo mudanças concretas.
Desafios climáticos e os conflitos
Se por um lado, o turismo nacianal se depara com a falta de investimento e défice de infra-estruturas, actualmente os desastres naturais (ciclones) e o terrorismo islâmico no norte de Moçambique agravaram a situação.
Dados da Direcção Provincial de Cultura e Turismo em Cabo Delgado, por sinal a mais afectada pelo terrorismo apontam que um total de 66 estabelecimentos turísticos continuam encerrados devido aos ataques terroristas que assolam a província desde 2017. A maior parte dos estabelecimentos turísticos encerrados encontram-se nos distritos de Macomia, Quissanga e Mocímboa da Praia.
“Dos 66 estabelecimentos turísticos encerrados, 10 são de restauração e 56 de alojamento com capacidade de 852 camas”, refere o documento.
Para isso, os operadores turísticos, apesar de reconhecerem o clima de instabilidade na região, não têm dúvida de que este tem impacto directo em destinos de grande potencial, como as Quirimbas, e efeito indirecto na percepção de segurança de todo o país. Por isso, defendem ser fundamental que a comunicação sobre Moçambique no exterior seja equilibrada, mostrando que a maior parte do território é estável e segura para turistas.
“O turismo é uma ferramenta poderosa para a reconstrução económica e social das áreas afectadas, mas a estabilização da região norte deve ser tratada como prioridade nacional”, salientou Mohammed Abdullah.
Entretanto, no que diz respeito às mudanças climáticas, Abdullah afirma que o país está na linha da frente dos impactos, com eventos extremos como ciclones, inundações e secas prolongadas, visto que estes fenómenos afectam a infra-estrutura turística, encarecem os seguros e condicionam a previsibilidade da época alta. Por isso, “é crucial integrar a resiliência climática na planificação turística: construção de infraestruturas mais resistentes, diversificação geográfica da oferta e desenvolvimento de produtos turísticos menos dependentes de uma única época ou zona”.
Soluções coordenadas
O sector privado moçambicano defende que o turismo não prospera no isolamento, pois exige sim uma interligação física, institucional e estratégica. Por isso, o vice-presidente da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), Onório Manuel, defendeu no lançamento do Fórum Diplomático de Turismo e Investimento em África, entre vários outros aspectos “uma diplomacia económica voltada para o turismo moçambicano, que promova e harmonize vistos, simplifique procedimentos e incentive o investimento no sector”.
Contudo, nem tudo está mal. Embora as contas do turismo continuem longe do desejado no que diz respeito à sua participação económica, dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que nos últimos quatro anos houve uma ligeira evolução. Em 2021, de acordo com o anuário estatístico do INE, o sector do turismo contribuiu com 2,46% no PIB moçambicano, tendo em 2022 e 2023 contribuído com 4% e 4,02%, respectivamente e no ano seguinte manteve-se inalterado com uma receita estimada a 221,2 milhões de dólares.
“O aumento da participação do turismo no PIB foi impulsionado pela isenção de visto para cidadãos de 29 países e pela modernização dos processos de entrada”, justifica o INE.
Para o economista Clésio Foia, esta contribuição revela, mais uma vez, que o sector continua sub-aproveitado. “O turismo nacional ainda apresenta muitas lacunas básicas”, assinala.
O economista aponta ainda para um outro nicho, que na sua óptica, parece literalmente esquecido: o turismo de golfe. Para ele, esta actividade poderia catapultar as receitas assim como gerar empregos, visto que Moçambique possui condições favoráveis para esta prática, à semelhança do que acontece com os outros países da região onde a modalidade encontra-se num nível mais evoluído.
“O potencial de Moçambique reside em oferecer turismo premium orientado para uma experiência de viagem de maior qualidade, com mais conforto, exclusividade e atenção aos detalhes, muitas vezes com custos mais elevados que o turismo tradicional. Os viajantes de golfe tendem a ficar mais tempo, gastar mais e buscar serviços integrados – incluindo hotéis, centros de bem-estar, restaurantes e actividades culturais. Esse segmento pode complementar as ofertas existentes do país, ao mesmo tempo em que eleva seu perfil entre o público global que procura mais do que a experiência tradicional de praia e safári, refere Foia.
Adicionalmente, a fonte lembra que países como a África do Sul e as Ilhas Maurícias integraram o golfe em suas agendas de turismo e desenvolvimento com sucesso mensurável. “Esses destinos não apenas atraíram viajantes que gastam muito, mas também impulsionaram o investimento em infra-estrutura associada – de hospitalidade de luxo e imóveis a transporte e planeamento urbano. Portanto, Moçambique, com seu extenso litoral, clima favorável e paisagens cênicas, está posicionado de forma única para seguir um caminho semelhante.”
Contudo, a escassez de divisas é, neste momento, um dos desafios mais críticos para o funcionamento das agências de viagens e operadores turísticos em Moçambique. Este problema, segundo operadores, limita seriamente a capacidade de liquidar pagamentos a fornecedores internacionais, companhias aéreas e cadeias hoteleiras no estrangeiro, o que concorre para redução de competitividade face a operadores estrangeiros, perda de oportunidades de parcerias internacionais e até o risco de retracção do investimento no sector.

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