Depois de várias actividades comemorativas no âmbito dos 50 anos de Independência, o Governo decidiu escolher a Praça da República, no Memorial António Agostinho Neto (MAAN), para realizar, nesta terça-feira, 11, o acto central e, na ocasião, condecorar, a título póstumo, o primeiro Presidente da República, que dá nome à estrutura onde se reuniram várias milhares de pessoas, entre nacionais e estrangeiros, crianças e adultos, mulheres e homens, partidos políticos, forças castrenses e sociedade civil.
O programa oficial do evento previa o início para as 8 horas e 30 minutos. Mas Luanda parece ter acordado antes do nascer do sol. Desde as primeiras horas, o coração da capital já pulsava em marcha, decorado com inúmeras pessoas provenientes de diferentes pontos, que levavam lenços, chapéus e camisolas com as cores da bandeira, em direcção à Praça da República.
No mesmo ritmo em que nascia o dia, também cresciam os sinais da presença militar. Ao longo da Estrada da Samba, da Rua do Primeiro Congresso do MPLA e da Avenida 4 de Fevereiro (na nova marginal), viaturas blindadas, canhões cerimoniais e contingentes armados despertavam curiosidade e, para alguns, inquietação.
“Aqui vamos ter guerra?”, perguntava uma senhora idosa, abrigada à sombra de uma árvore junto à famosa paragem da Sunset. Além dela, vários jovens também questionavam a presença daquele aparato militar exposto, alegando existir, por parte do Governo, uma tentativa de abafar rumores sobre possíveis manifestações da sociedade civil.
O facto é que o Governo Provincial de Luanda (GPL) já se havia apressado em tranquilizar a população através de um comunicado, informando que seriam efectuadas, naquele dia, 21 salvas de canhão, “parte do protocolo militar e cerimonial alusivo à data”.
“Não representam qualquer situação de perigo”, assegurava o GPL numa nota de imprensa publicada na segunda-feira, 10, a que a revista Economia & Mercado (E&M) teve acesso.

Um memorial ‘pintado de Pátria’
À medida que se aproximava o início da cerimónia, a segurança foi sendo intensificada. O acesso ao MAAN encontrava-se rigidamente controlado. Pela entrada que conduz a um desvio para a Assembleia Nacional (AN), apenas os participantes do desfile cívico podiam entrar, devidamente identificados com passes e uniformes. Já o portão principal abria-se para convidados, órgãos de comunicação social e serviços de apoio.
No interior, o cenário era de solenidade. O memorial, requalificado há poucos meses, brilhava sob o sol de Novembro, com as cores da bandeira nacional a dominarem cada detalhe: vermelho, preto e amarelo nos adereços, nas arquibancadas e nas vestes.
Na tribuna principal, João Lourenço, Presidente da República e Comandante em Chefe das Forças Armadas, ocupava o centro, ladeado pela primeira-dama, Ana Dias Lourenço. Logo abaixo, Eugénia Neto e o filho observavam em silêncio a cerimónia que eternizava o nome de Agostinho, que foi o primeiro Presidente da República.
À esquerda de João Lourenço encontravam-se os presidentes e chefes de Estado convidados, com destaque para a Presidente da Namíbia e os líderes do Congo, de Portugal, da União das Comores, de Cabo Verde, da Índia, de São Tomé e Príncipe e do Zimbabwe, além da primeira-ministra da República Democrática do Congo.
Do lado direito, estavam os presidentes dos partidos políticos com assento parlamentar, o governador da província de Luanda, Luís Nunes, e vários outros convidados de honra.
Deputados à Assembleia Nacional, ministros, representantes do poder judicial, membros de partidos políticos, líderes eclesiásticos, académicos e outras figuras da sociedade civil completavam o mosaico de um memorial que mostrava diverso, ocupando o outro lado da pista.

Tributos a Neto
Para o início, o acto central reservou a visita do Presidente João Lourenço e dos convidados, sobretudo os presentes na tribuna central, ao sarcófago do Presidente Agostinho Neto, onde o Chefe de Estado depositou, conforme imagens transmitidas a partir das telas do MAAN, uma coroa de flores.
Cerca de 38 minutos separaram aquele momento do acto de condecoração, a título póstumo, de Agostinho Neto, representado na cerimónia pela viúva e por um dos filhos.
Ao som dos apresentadores do evento, acompanhado pelos gritos e pelas palmas dos presentes no MAAN, João Lourenço desceu alguns degraus da tribuna para prestar o devido tributo.

Comandante em chefe, ordena
O som do clarim rompeu o barulho da multidão. Eram já 13 horas e alguns minutos quando João Lourenço se levantou na tribuna. O silêncio que se seguiu foi quase sagrado. À sua frente, a pista ampla aguardava a entrada das forças cívicas e militares.
Primeiro, desfilaram exactas 6 mil 'almas', entre elas, representantes das escolas, dos escuteiros, desportistas, profissionais da saúde e das 21 províncias do País.
Depois, o ritmo mudou: passos firmes, botas ritmadas, uniformes impecáveis. As Forças Armadas, a Marinha e a Força Aérea desfilavam com precisão milimétrica, exibindo o capital humano e o poderio de um país que, há cinco décadas, conquistou o direito de se defender.
Na sequência, um batalhão de efectivos da Polícia Nacional preencheu a pista, seguindo-se, mais tarde, o desfile do aparato militar. Conforme a programação, o som das salvas de canhão ecoou por toda a cidade, lembrando o passado e desafiando o futuro.
No ar, misturavam-se o cheiro da pólvora e o perfume do mar, enquanto as cores da bandeira nacional se sobrepunham, por alguns centímetros, ao poderio das nuvens.

Um discurso dividido entre ‘orgulho’ da Paz e alerta para contínua reconciliação
Antes dos desfiles, veio o discurso. João Lourenço falou com voz firme, entre o “orgulho da paz” e o apelo à reconciliação contínua. “Aproveitamos esta oportunidade única para construirmos juntos uma sociedade inclusiva e com igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Os desafios são enormes e de grande complexidade”, afirmou.
Com os temas a alternarem-se com o som das palmas, repetidas vezes, o Presidente da República percorreu o caminho da história recente: os 27 anos de guerra civil, o alcance da paz em 2002 e a reconstrução nacional, relembrando as perdas de vidas humanas, as divisões e a necessidade de unir esforços. “Precisamos de nos focar em acções e iniciativas que contribuam para a solução dos inúmeros problemas que o país ainda enfrenta”, sublinhou.
Falou ainda da ambição de o País declarar-se livre de minas nos próximos dois anos, da diversificação da economia e da necessidade de garantir o bem-estar social das populações, através de maior oferta de serviços como educação, habitação, água, energia e saúde.
No discurso de 23 minutos e 59 segundos, João Lourenço referiu-se também ao Corredor do Lobito como “um projecto de grande envergadura, cujo alcance vai muito além das fronteiras angolanas”, e reiterou a aposta nas infra-estruturas de energia eléctrica e na reforma do sistema das Nações Unidas, “por já não reflectir o equilíbrio de poderes”.
João Lourenço não evitou temas sensíveis: os golpes de Estado em África, os conflitos no Médio Oriente e a guerra na Ucrânia. “Olhamos para o mundo de hoje com apreensão”, disse.
O tom final foi de apelo à unidade: “Não deixemos que as disputas partidárias consumam grande parte do nosso tempo e das nossas energias. Trabalhemos juntos para consolidar a nossa economia e o desenvolvimento social do país”.

Crítica pelo ‘sonho adiado’ e o reconhecimento da marcha
Entre os convidados, Sérgio Calundungo, do Observatório Político e Social de Angola (OPSA), reagiu ao discurso do Presidente da República, à E&M, com ponderação. “A independência e a paz são os eventos mais importantes do nosso País”, começou por reconhecer, antes de acrescentar: “Foi um discurso de circunstância. A ideia de que temos mais hospitais, mais escolas é repetitiva. O País sonhado está muito longe do País conseguido”
O investigador ressalta o foco na desminagem, que considera simbólico e concreto, podendo devolver terras produtivas e segurança às populações. Além disso, destaca a reafirmação de que Angola se pretende integrar nas soluções globais, especialmente em relação ao multilateralismo e à necessidade de reformar o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.
“Uma celebração é sempre uma celebração. E, mesmo assim, continuamos a ter muitas dúvidas e preocupações”. Essa foi a reacção de Olívio Quilumbo, deputado à Assembleia Nacional pelo Grupo Parlamentar da UNITA.
Para o parlamentar, a independência deve significar o cumprimento das tarefas fundamentais do Estado, conforme estabelece o artigo 21.º da Constituição da República, e que o verdadeiro sentido da soberania se deve traduzir “na realização da vida de cada cidadão angolano”, algo que, na sua opinião, ainda não foi alcançado.
“Penso que ainda não chegamos a isso”, lamentou, acrescentando que os discursos são sempre discursos, com as suas incompreensões, sobretudo no que toca ao desenvolvimento. Quilumbo enfatizou a distância entre o que é dito e o que é feito, além de ter afirmado que a reconciliação nacional está longe de ser uma realidade.
“Não estamos reconciliados, nem pensar. A reconciliação passa pela partilha da prosperidade e pela criação de condições para o bem comum, e isso não aconteceu, infelizmente”, concluiu.
Celso Malovoloneke é outra das entidades que deu voz à E&M. Para o ex-secretário de Estado para a Comunicação Social, o primeiro significado dos 50 anos de independência é sempre um motivo de júbilo, satisfação e orgulho.
“Foram 50 anos em que tivemos momentos complicados da nossa história, momentos de grandes desafios, momentos em que o perigo de desintegração do País, da perda da soberania ou, pelo menos, da perda de partes do território nacional era real, mas nós conseguimos ultrapassar isso”, disse, enfatizando que esta é uma celebração da garra, do orgulho, da resiliência e da fé do povo angolano.
Mas, sublinha Malovoloneke, a data não se resume apenas à festa. É também um momento de reflexão, uma oportunidade para revisitar as dificuldades, o sofrimento e os desafios que foram vencidos ao longo das décadas.
“É preciso irmos buscar nas dificuldades, no sofrimento e nos desafios que vencemos, o exemplo para enfrentarmos os próximos 50 anos também com o espírito de vitória”, afirmou, lembrando que dificilmente o país atravessará períodos tão críticos como os primeiros 27 anos da independência.

Contraste: Fartura e miséria na mesma geografia
O contraste mais duro estava do lado de fora. Quando as tribunas começaram a se esvaziar e os convidados deixavam o local, o brilho cerimonial encontrou a sombra da realidade.
Encostadas à parede do memorial, no portam que dá caminho para o Zamba 2 e, também, a AN, crianças e jovens reviravam o lixo à procura de restos de comida. A equipa da Economia & Mercado aproximou-se.
“Tira mesmo foto, kota. Olha só”, diziam, sorrindo timidamente para a câmara. Queriam ser vistos, talvez para que alguém, enfim, os reconhecesse como parte da festa celebrada a poucos metros dali.
Mas a multidão à volta, principalmente outros jovens, que pareciam residentes, não permitiu que se fotografasse. O momento passou rápido, mas deixou uma marca profunda. Entre a glória do desfile e o grito da miséria.

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