Historicamente, as instituições religiosas tiveram papel central na génese da educação formal. As primeiras universidades europeias, como Bolonha, Paris e Oxford, nasceram em ambiente eclesiástico, com forte influência da Igreja Católica. Elas formavam essencialmente teólogos, juristas e médicos, reflectindo a aliança entre fé e saber. Esta matriz educativa expandiu-se pelo mundo, inclusive para o continente africano, onde igrejas católicas e protestantes assumiram, desde cedo, a nobre missão de educar e formar consciências.
Em África, a lógica missionária uniu evangelização e educação. Países como a República Democrática do Congo (ex-Zaire), Angola, Zimbabué e outros beneficiaram-se da acção de missões católicas e evangélicas que fundaram escolas que, por décadas, foram referências em qualidade pedagógica e formação ética. Exemplos como o Kutama College, fundado por jesuítas no Zimbabué, ou a histórica Inyathi Mission School, criada em 1859, revelam o compromisso de longa data entre fé e educação.
Em Angola, a história da educação está profundamente entrelaçada com a acção missionária religiosa, tanto católica como protestante. Os Jesuítas fundaram o primeiro colégio em Luanda no século XVII, enquanto os Salesianos, Dehonianos e as Missionárias Reparadoras estabeleceram escolas e centros de formação em várias províncias como Luanda, Benguela, Cabinda, Namibe e Dembos. No campo protestante, destacam-se as missões da Igreja Evangélica Congregacional em Angola (IECA), como Chissamba, Camundongo, Dondi e Chilesso, que formaram milhares de professores, enfermeiros e líderes comunitários. A Igreja Metodista fundou a missão de Quéssua, em Malanje, e mantém hoje uma universidade em Luanda. Os Adventistas do Sétimo Dia criaram Escolas Centrais nas Lundas, Huambo e Huíla, e os Maristas deixaram marcas no ensino em Lubango e Bié. Estas instituições não só ensinaram a ler e a escrever, como também transmitiram valores éticos e sociais, constituindo uma base sólida para o desenvolvimento humano.
Além dessas, outras igrejas evangélicas, como as Assembleias de Deus Pentecostais, a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo (conhecida como igreja tocoista), têm desenvolvido um papel relevante que ultrapassa os limites da pregação estritamente religiosa.
A Universidade Católica de Angola (UCAN) é hoje uma das mais respeitadas do País. A rede de ensino da Igreja Católica angolana contava, já em 2020, com 482 escolas e mais de 461 mil alunos matriculados. A IECA administra mais de 60 escolas em 16 províncias; a IEBA, 33 escolas com influência em mais de 174 mil membros. Os Salesianos de Dom Bosco, por sua vez, alfabetizam anualmente cerca de 20 mil jovens e adultos e formam mais de 2.800 técnicos nos seus centros profissionalizantes.
Esses números falam por si. As escolas eclesiásticas não são apenas uma alternativa, mas, em muitos casos, a única resposta concreta à ausência do Estado, sobretudo em zonas rurais e periféricas. Elas promovem cidadania, espiritualidade, responsabilidade social e formação de quadros.
Entretanto, é necessário lançar um alerta: muitas escolas protestantes parecem estar a abrir mão da sua identidade cristã. Inspiradas nos princípios bíblicos de serem sal da terra e luz do mundo (cf. Mateus 5:13-14), essas instituições foram criadas para oferecer uma educação distinta, marcada pela excelência académica e integridade ética. No entanto, o que se observa hoje é uma crescente acomodação aos padrões do mundo, perdendo-se o carácter distintivo que as diferenciava.
Ao invés de serem um "contra valor" às tendências actuais das escolas públicas — onde, cada vez mais cedo, crianças são subtilmente introduzidas em teorias controversas sobre sexualidade e género —, algumas escolas confessionais tornaram-se cópias pálidas do sistema público, abandonando os fundamentos da fé. A Bíblia exorta claramente: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Romanos 12:2). A pergunta que se impõe é: o que está a falhar?
A igreja precisa de resgatar o seu papel de guardiã da ética, da excelência e da formação integral. Isso implica ter uma visão pedagógica clara, conteúdo programático alinhado com os princípios cristãos e rigor na escolha de professores, directores e gestores. É preciso haver coerência entre o ensino e a fé professada. Os frutos dessa coerência devem ser visíveis na sociedade — nos valores, na postura e na ética dos quadros formados nessas escolas.
A rede de escolas católicas tem sido, nesse sentido, exemplar. Instituições como os Irmãos Maristas, São José de Cluny, São Domingos e o ICRA – Instituto de Ciências Religiosas de Angola, onde tive a oportunidade de estudar e testemunhar o impacto transformador da educação cristã, continuam a formar gerações sólidas no saber, no ser e no servir. É este modelo que deve inspirar a revitalização do ensino protestante.
Estas instituições, conscientes da centralidade da educação no processo de emancipação individual e colectiva, têm investido na criação de escolas, centros de alfabetização, programas de formação técnica e outras iniciativas educativas. A sua acção inscreve-se numa lógica de missão integral, em que evangelizar implica também promover o desenvolvimento humano, combater o analfabetismo e formar cidadãos conscientes dos seus direitos e responsabilidades sociais. Este contributo reforça a ideia de que as confissões religiosas, para além da sua função espiritual, podem constituir-se como actores estratégicos na promoção do bem comum e na construção de uma sociedade mais equitativa e sustentável.
Angola precisa de escolas que formem mais do que profissionais — precisa de formadores de consciência, cidadãos com valores, líderes com carácter. Este é um apelo às igrejas evangélicas e protestantes: despertem, revisitem a sua missão educativa, refaçam o caminho com intencionalidade, fé e qualidade.
Afinal, se o sal perder o seu sabor, de que servirá?