Com o fim da crise pós-eleitoral que se prolongou por cinco meses no em Moçambique, desde Outubro do ano passado, se perspectivava uma viragem de página em Moçambique para a retoma de uma economia sem perturbações de maior. Afinal era o fim de uma crise para dar início a outro problema: a escassez de divisas.
A crise de divisas no país, sobretudo o rand sul-africano, o dólar norte-americano e o euro, começou a fazer-se sentir ainda no início do ano passado, muito antes das manifestações pós-eleitorais, mas tal não era tão visível como agora. Actualmente, as queixas vêm de todos os lados, desde os pequenos aos grandes empresários, tanto no mercado formal quanto informal.
Num país como Moçambique, que depende na sua maioria de importações, a situação já começou a gerar alguma polémica e até especulação de preços de alguns produtos básicos. E, nos dias que correm, o cenário tende a piorar, havendo relatos de muitos moçambicanos que se vêem impedidos de fazer compras no exterior devido a indisponibilidade de divisas.
Não se sabe ao certo o que está a provocar a escassez de divisas no mercado, pois tanto o Governo como o Banco de Moçambique (BdM), este último por sinal a entidade reguladora do mercado financeiro nacional, escusam-se a falar do assunto.
Contudo, para o economista Clésio Foia, esta crise não vem ao acaso, havendo alguma explicação.
À revista Economia & Mercado (E&M), o economista olha para os factores políticos, naturais e económicos como responsáveis desta situação.
Embora acredite noutros factores, o economista explica que a emissão de dívida pública elevada, os choques climáticos e políticos, como a crise pós-eleitoral, abalaram a confiança dos agentes económicos no mercado moçambicano para investir e realizar negócios.
“Conjugados com outros factores que já colocavam pressão para alguma vulnerabilidade da economia, como a situação do extremismo no Norte do país, estes atrasaram os investimentos, o que também poderia reforçar a conta capital, mas também as reservas internacionais líquidas e alguma liquidez em divisas no próprio mercado bancário”, explicou o economista.
Adicionalmente, Clésio Foia entende que a alta demanda por importações não relacionadas a megaprojectos e os custos elevados com combustíveis empurraram também o país para uma crise de divisas, “visto que estes pressionam de certa forma a liquidez”.
Aliás, “a retirada total da comparticipação da disponibilidade de dólares para a cobertura da importação de combustíveis contribuiu de alguma forma para as contrariedades na disposição de divisas no próprio mercado bancário”.
“O aumento dos coeficientes das reservas obrigatórias denominadas em passivo em moeda nacional e estrangeira, sobretudo, reduziu a oferta efectiva de divisas no mercado interbancário, elevando os prémios em dólar paralelo e tornando difícil o acesso por agentes económicos importadores, daí o caos vivido por alguns agentes económicos que demandam o mercado estrangeiro e não conseguem ter a sua cobertura de importação, mesmo tendo saldo disponível em conta para o fazer integralmente”, acrescentou.
Dolarização do mercado ou crise à vista?
Recentemente, o Governador do Banco Central, Rogério Zandamela, falando durante a divulgação dos resultados do Comité de Política Monetária, justificou a crise como uma tentativa de “dolarização” do mercado por parte do sector privado. Enquanto isso, o Governo Central, sem assumir a existência da crise, assegurou na segunda-feira (16) estar a monitorizar a situação, defendendo que as divisas existentes devem ser canalizadas para sectores prioritários, como por exemplo na “importação de combustíveis, de bens alimentares, ou para o pagamento de facturas dos serviços aéreos”.
Por outro lado, o Governo avançou ainda a possibilidade de o Executivo receber, neste ano, cerca de 88 mil milhões de meticais de créditos e donativos externos para reforçar a disponibilidade de moeda estrangeira.
“Perspectivamos, ao nível do PESOE 2025, que o país receba divisas provenientes de Crédito Externo de aproximadamente 30 mil milhões de meticais, o correspondente a 1,9% do PIB, o que significa um incremento de 0,6 pp (pontos percentuais) em relação a 2024; e, por via de Donativos Externos, no montante de 58,2 mil milhões de meticais, o que corresponde a 3,8% do PIB, contribuindo deste modo para o reforço da disponibilidade de divisas no nosso país”, assegurou a ministra das Finanças, Carla Louveira, durante as “XVI Jornadas Científicas do Banco de Moçambique”, que coincidiram com uma palestra alusiva ao dia da moeda moçambicana, o Metical.
Sem solução imediata ainda à vista, o empresariado moçambicano insiste que a falta de moeda estrangeira está a colocar a economia à beira do colapso.
Segundo a Confederação das Associações Económicas (CTA) de Moçambique, a maior entidade patronal do país, o Banco de Moçambique está a demonstrar “pouca sensibilidade para com os problemas das empresas como fazedores da economia e distribuidores de riqueza”.
Especulação tomou conta do mercado
Se por um lado o mercado se debate com défice da oferta de divisas, por outro, assiste-se a uma onda de especulação, havendo ainda um mercado paralelo de venda de moeda estrangeira. No mercado informal, por exemplo, o dólar chega a custar 80 meticais, contra os 63,20 meticais oficialmente praticados pelo regulador.
O mesmo cenário acontece nos combustíveis, onde o litro de gasolina chega a custar 200 meticais, em algumas cidades, mais do dobro do preço oficial.
Segundo o BdM, no caso do dólar, o limite de aquisição desta moeda nos bancos comerciais é de cinco mil dólares para cada cidadão. Ainda assim, os cidadãos relatam que praticamente os bancos praticamente deixaram de prover, pois nunca têm a sua disponibilidade.
Se a falta de divisas já dificulta a actuação das grandes empresas, a situação é mais grave para os pequenos empreendedores que precisam de divisas para abastecer o mercado com produtos básicos.
Segundo a Associação dos Mukheristas em Moçambique (que reúne importadores informais), a sua actividade tem sido difícil devido à falta de divisas nos bancos comerciais.
De acordo com o presidente da agremiação, Sudekar Novela, os associados estão a recorrer ao mercado paralelo para garantir as operações de importação, sobretudo de produtos alimentares provenientes da África do Sul.
“O nosso único recurso é o mercado paralelo, porque nos bancos comerciais, onde temos as nossas contas, aconselham-nos a fazer reservas com antecedência. Mas, mesmo assim, não conseguimos acesso às divisas”, afirmou Sudekar Novela, sublinhando que o preço do rand pode chegar a 4,20 meticais no mercado paralelo, contra os 3,5 meticais praticados oficialmente nos bancos.
Ainda assim, o economista defende a necessidade de haver diálogo entre o regulador e agentes económicos, por forma a encontrar soluções para esta falta de moeda estrangeira no mercado moçambicano. “É preciso reforçar um diálogo tripartido apurado entre o Banco de Moçambique, os bancos comerciais e agentes económicos importadores, para que estes, em esforços conjugados, possam chegar a alguma solução para o mais rápido possível se contornar estes constrangimentos que, como corolário, só lesam a economia nacional, a qual precisa, quanto antes, de um balão de oxigénio para voltar a reanimar em meio a várias incertezas e vulnerabilidades”, concluiu.