O sol raiou sobre uma capital marcada por três dias de fúria, desencadeados pelo protesto dos taxistas contra o aumento brutal dos combustíveis e tarifas, que deixaram cicatrizes profundas no rosto de Luanda.
Hoje, o comércio e os serviços tentam, timidamente, retomar o fôlego, mas o ar ainda cheira a fumo de pneus queimados e a incerteza. A normalidade é uma pele fina sobre as feridas abertas.
As ruas, outrora palco de violentos confrontos entre populares e agentes da Polícia Nacional, acordaram sob um manto de vigilância reforçada. O movimento é lento, hesitante. As instituições públicas e privadas reabriram portas, mas a sombra dos actos de vandalismo e pilhagem que assolaramestabelecimentos comerciais paira densa.
Numa ronda pela cidade, a Economia & Mercado encontrou uma realidade fragmentada: vendedores ambulantes e pequenos comerciantes regressam aos seus postos, aliviados pelo fim da tensão imediata, mas confrontados com os destroços.
Os taxistas e moto-taxistas circulam, sim, mas são menos, fantasmas de uma rotina que se desfez. Nas avenidas, os vestígios dos protestos são manchas indeléveis: pneus calcinados, vidros estilhaçados, muros pichados.
São marcas de uma raiva que extravasou, atingindoindiscriminadamente o tecido económico da cidade.
No Golf II, zona particularmente fustigada, o cenário é desolador. Representantes de grandes superfícies comerciais contabilizam prejuízos avultados, enquanto trabalhadores aguardam, com os olhos cheios de perguntas, notícias sobre o seu próprio amanhã.

O governador da província, Luís Manuel da Fonseca Nunes, deslocou-se ao local, tentando medir o pulso à angústia e avaliar a extensão dos danos – uma imagem de autoridade frente ao caos gerado.
Vozes na Cinza: Resiliência e Incerteza
É nas vozes da rua que o impacto humano se revela com maior crueza. Feliciano Santos, taxista, não disfarça a revolta: "Foi horrível", desabafa, condenando os actos de vandalismo que, na sua perspectiva, "prejudicam toda a sociedade".
"Muitas pessoas são trabalhadoras, e os donos dos estabelecimentos também lutam para ajudar. Mas é incrível o que aconteceu. Lamento por isso", afirma, ecoando o sentimento de muitos que viram o seu ganha-pão e a sua cidade serem dilacerados.
Do lado das empresas, há gestos de contenção. Um funcionário do Grupo Arreiou, protegendo a identidade, revela uma acção rápida: "Estou aqui há cinco meses, e felizmente não nos esqueceram. Mandaram-nos ir às lojas mais próximas para não ficarmos parados".

Sobre os salários, uma esperança frágil: "Acreditamos que não haverá atrasos, porque a folha de pagamentos já estava fechada". É a fé na normalidade burocrática num cenário de anormalidade gritante.
Mas para muitos pequenos empresários, a realidade é mais crua. Uma vendedora ambulante, também anónima, encontrou o seu humilde posto de trabalho reduzido a escombros: "Levaram os meus fogareiros e a botija de gás. Muitas outras coisas foram destruídas". A sua história é a de centenas: o micro-empreendedor, a base da economia informal, esmagado pela onda de violência.
Apesar do desastre, nela pulsa uma determinação feroz, a vontade de recomeçar. "Vamos levantar", disse.
Luanda em reflexão
A cidade que renasce, a passo lento, das cinzas de três dias de convulsão, é um espelho fracturado. Reflecte a fúria contida por pressões económicas insuportáveis, a fragilidade da ordem perante a explosão social, e incansável, quase desesperada, resiliência do seu povo.
Luanda tenta reencontrar o seu ritmo, mas o eco dos distúrbios permanece, um som de fundo inquietante que impele à reflexão urgente. A reportagem de hoje é apenas o primeiro capítulo de uma longa história de reconstrução, física e de confiança, que mal começou.

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