Lá se foi um projecto que prometia “acabar com a fome em Moçambique”. E o Governo também! O projecto Sustenta surgiu como uma promessa de bandeira do Governo moçambicano, concretamente no mandato do antigo Presidente Filipe Nyusi, de tornar o país auto-suficiente em produtos agrícolas. Por agora já não se fala mais do Sustenta, mas a fome continua, embora esse tenha sido o seu propósito.
Foi precisamente em 2016 que o Executivo moçambicano liderado pelo ex-Presidente Nyusi começou a falar da ideia de estimular a cadeia de produção agrícola através de investimentos em tecnologias e em extensão agrária com um propósito claro de transformar a agricultura familiar, maioritariamente de subsistência, em industrial, uma ideia que foi bem acolhida tanto pelo sector privado como pelos parceiros de cooperação.
Assim surgiu o Sustenta, um Programa de Integração da Agricultura Familiar em Cadeias de Valor Produtivas, dirigido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS), que, embora integrado no Ministério da Agricultura, possuía uma autonomia administrativa e financeira. A partir daí, assistiu-se a muitos investimentos no sector da agricultura, sendo o Banco Mundial um dos parceiros internacionais de cooperação que mais se identificou com o projecto.
Contudo, quando tudo parecia que Moçambique já havia encontrado a verdadeira fórmula para acabar com a insegurança alimentar, apesar das mudanças climáticas estarem a desafiar o sector agrícola nestes últimos anos, eis que o actual Governo liderado por Daniel Chapo anuncia a sua extinção. Não se sabe os motivos, o certo é que o Sustenta não entra nos planos do Governo do dia.
“Quero deixar claro aqui que o projecto Sustenta é um projecto que existiu, que produziu os resultados que produziu e não é a nossa responsabilidade como Governo, e nem tomamos posse para isso, falar dos projectos. O Sustenta era um projecto e o projecto tem início e tem fim, e correu como correu. É muito importante tomarem conhecimento disso”, assim sentenciou o Presidente da República, Daniel Chapo, após o ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas ter adiantado que o projecto não fazia parte dos planos do novo Executivo.
Um estudo divulgado em 2023 pelo Observatório do Meio Rural (OMR), uma organização não-governamental moçambicana que se dedica a pesquisa de desenvolvimento, já antevia esta eventual descontinuidade do projecto. Uma das razões apontadas pelo estudo centrava-se no facto do Sustenta ser basicamente financiado pelo Banco Mundial num modelo “off budge” (fora dos mecanismos de mercado), onde os produtores nem sempre cumprem com os contratos, “o que pode significar, no futuro, com a redução ou o fim do financiamento administrativo desses recursos, a ruptura do acesso aos insumos, equipamento e crédito”.
Apesar de ter havido algum cepticismo aquando do surgimento do projecto, os seus resultados já começavam a dar sinais promissores no país. Ao todo, o projecto Sustenta mobilizou mais de mil técnicos extensionistas, no entanto, a maior parte destes ainda reclama pelos seus ordenados.
O cenário ainda deixa uma incógnita sobre o rumo que a agricultura deverá seguir no presente ciclo governativo, mas torna claro que a cada ciclo o país conhece sempre novas orientações agrícolas, descontinuando os anteriores.
Aliás, embora haja uma tendência recorrente de descontinuidade de projectos de investimento públicos com a chegada de novos governos ou lideranças sectoriais, a extinção do programa Sustenta criou um “ruído” na sociedade desde que o Governo de Daniel Chapo começou a dar sinais de que este não iria avante.
Um golpe à segurança alimentar
Para o economista Clésio Foia, a descontinuidade do programa Sustenta representa “uma inflexão preocupante” na política agrícola nacional, sobretudo pela sua relevância na estrutura produtiva e no combate à insegurança alimentar. “Economicamente, o Sustenta desempenhava um papel crucial no estímulo à produtividade agrícola através da transferência de insumos, assistência técnica e integração de pequenos agricultores nas cadeias de valor”, acrescentou.
Dados do Ministério da Agricultura e do Banco Mundial referem que entre 2020 e 2023 o programa beneficiou cerca de 400 mil produtores, com aumentos de produtividade superiores a 35% em culturas como o milho e feijão, nas zonas de implementação piloto (nas províncias da Zambézia, Nampula e Niassa).
Neste sentido, Clésio Foia não tem dúvidas de que o projecto irá precipitar uma queda da produção interna de alimentos, com impacto directo na oferta agregada e no aumento da dependência de importações, agravando o défice da balança comercial bem como a perda de rendimentos nas famílias rurais, que representam cerca de 70% da força de trabalho nacional. Isto deteriora o consumo privado e amplifica a pobreza multidimensional.
“Isto vai provocar ainda desemprego técnico, especialmente entre os jovens formados nas áreas de agricultura, extensão rural e cadeia de valor agrícola que estavam integrados no ecossistema Sustenta, e o exemplo claro disto são os extensionistas que muito recentemente apareceram a reclamar salários e também o desemprego como consequência da descontinuidade do Sustenta.
Portanto, do ponto de vista macroeconómico a suspensão do programa poderá impactar negativamente na contribuição da agricultura no crescimento do PIB, que nos últimos anos contribuiu com 23 a 26% do PIB em Moçambique”, salientou.
À revista Economia & Mercado (E&M), o pesquisador e economista do Observatório do Meio Rural (OMR), João Mosca, considera o projecto ter sido mais propaganda política do que uma iniciativa de desenvolvimento como tal, “pois não teve resultados muito evidentes a nível da produtividade e da produção, quando comparados com os recursos financeiros e técnicos colocados no terreno, ou seja, o Sustenta teve uma abrangência muito mais limitada a nível dos pequenos produtores”.
“O Sustenta pode ter contribuído para o aumento das culturas alimentares básicas e de rendimento, embora se tenha verificado uma diminuição de produção noutras culturas, o que leva a questionar acerca do equilíbrio da dieta alimentar para a maioria dos agricultores integrados, tanto Pequenos Agricultores (PA), como Pequenos Agricultores Comercial Emergentes (PACE), devido aos volumes de redução e comercialização e aos rendimentos obtidos noutras actividades”, sustentou o economista e pesquisador.
Grandes investimentos à volta do projecto
O Sustenta foi um programa de desenvolvimento agrário que se evidenciou em receber maior financiamento do Banco Mundial. Entre 2017 e 2023, o Banco Mundial canalizou mais de 1,2 mil milhões de dólares, segundo dados do próprio World Bank Group.
Este montante, segundo dados oficiais, era destinado na aquisição de equipamentos que posteriormente eram canalizados aos agricultores que apresentavam perspectivas de crescimento durante a sua actividade. A outra parte de investimento era destinada ao pagamento de extensionistas que davam assistência aos agricultores.
Mas financiamento à parte, a descontinuidade do programa Sustenta revela, segundo o especialista agrário Luís Muchanga, a ausência de uma política agrária estruturada e sustentável em Moçambique, onde o Estado se afasta de um papel mais interventivo para apostar no sector privado, como consequência, a cada ciclo governativo o país parece começar do zero.
Muchanga acrescenta ainda que a inexistência de uma lei clara ou de uma política nacional de agricultura no país explica por que razão cada novo dirigente implementa o seu próprio programa, muitas vezes ignorando ou rejeitando o que foi feito pelo seu antecessor. “Nunca estamos a pensar o país de forma holística e a médio e longo prazo. Este círculo vicioso de políticas desconectadas prejudica o próprio desenvolvimento”, sublinhou.
Industrializar Moçambique através da agricultura
O surgimento do projecto Sustenta fez também renascer a ideia de o país entrar na rota da industrialização por forma a contribuir para a balança comercial, mas também para a criação de mais postos de trabalho e reduzir a dependência externa. Com isso, a criação do Programa Industrial Moçambique (PRONAI), em 2021, tinha como meta criar cadeias agro-industriais para o processamento dos produtos agrícolas vindos do Sustenta.
“Através do PRONAI, o Governo pretende desincentivar a produção e exportação de produtos não-acabados, transformando-os dentro do país, como forma de gerar valor acrescentado na economia nacional”, esta era a linha do projecto do Governo.
Com a duração de dez anos, o PRONAI era visto como um mecanismo para fomentar a produção industrial nacional, privilegiando o uso de matéria-prima local, estimular a comercialização, bem como ajudar na transformação rural e geração de emprego e renda, em especial para jovens e mulheres. Contudo, com a descontinuidade do Sustenta não se sabe ainda qual será o desfecho do PRONAI.
Ainda assim, o economista Clésio Foia deixa uma crítica sobre a extinção do programa Sustenta, defendendo que sob ponto de vista da economia institucional e da gestão pública moderna esta prática é profundamente disfuncional, porque um programa com base em diagnóstico técnico, viabilidade económica comprovada e impacto mensurável não deve ser descontinuado apenas por razões políticas.
“A lógica de governação deve ser guiada por evidência e resultados, e não por ciclos governativos ou reposicionamento ideológico”, frisou, alertando que esta prática poderá contribuir para a perda de credibilidade institucional, o que mina décadas de cooperação técnica e institucional entre Moçambique e os seus parceiros estratégicos.