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Angofoot e investimento especulativo: duas faces da mesma moeda

Deslandes Monteiro
30/4/2021
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Foto:
DR

Em Angola, o fenómeno Angofoot tem trazido à ribalta a existência de muitos jovens dispostos a investir capitais que vão desde a quantia mais baixa a quantias exorbitantes.

O fenómeno das apostas desportivas, que se tem expandido cada vez mais no seio dos jovens angolanos e não só, tem trazido à tona uma realidade curiosa, não muito diferente da que temos visto nos países onde a cultura de investimento está completamente enraizada na sociedade. Antes de analisar este fenómeno, porém, é necessário fazer referência a alguns conceitos importantes, úteis para melhor percebermos a situação.

Considera-se investimento basicamente toda a aplicação de capital com a expectativa de obtenção de algum benefício como fruto desta aplicação. Este benefício pode ser quase imediato ou de longo prazo, dependendo do tipo de investimento efectuado. Em outras palavras, o objectivo principal é a obtenção de um benefício, que na maior parte das vezes trata-se de um lucro.

Todo o investimento, por si só, comporta sempre um risco. Há sempre a probabilidade de o capital aplicado não ser recuperado na totalidade ou ser completamente perdido, e quanto maior o risco, maior a taxa de rentabilidade do investimento.

Quando este investimento é aplicado num activo que, apesar de estar na fase inicial, tem grande potencial de crescimento, com probabilidades de rendimento muito altas, tal como o risco a enfrentar (como, por exemplo, o investimento em start-ups), estamos perante um investimento em capital de risco. Quando, por sua vez, o capital é apostado na compra de acções de uma empresa cotada na bolsa, que se presume que enfrentará uma valorização considerável e gerará lucros acima da média num breve período, estamos perante um investimento em capital especulativo. Chama-se especulativo porque tem como base a especulação financeira, ou seja, uma imaginação/intuição de como o mercado se vai comportar futuramente, com a lucratividade alinhada ao alto risco.

No caso das apostas desportivas, é possível encontrar muitos elementos presentes no investimento especulativo, começando pelo grande amor pelo risco. Seja o investidor em capital especulativo como o apostador, estão prontos a arriscar a aplicação de uma determinada quantia numa situação que está fora do seu controlo. Ambos aceitam o risco de perder tudo, preferindo deixar prevalecer a probabilidade de sucesso e o lucro iminente.

Outra semelhança importante pode ser identificada na vontade de obter um lucro fácil e rápido, fugindo dos mecanismos tradicionais de investimento, que requerem tempo e dedicação para a obtenção de lucros em pequenas percentagens.

Em Angola, o fenómeno Angofoot – nome derivado da primeira plataforma de apostas desportivas a nível nacional – tem trazido à ribalta a existência de muitos jovens dispostos a investir capitais que vão desde a quantia mais baixa a quantias exorbitantes, na esperança que este investimento gere um lucro fácil e rápido, fazendo com que nos locais de apostas se registem filas intermináveis de pessoas. A desocupação e a fraca educação financeira têm contribuído para alimentar cada vez mais este fenómeno.

As apostas, apesar de provocarem uma grande liquidez para as empresas envolvidas, não contribuem para a criação de novas empresas e novos empregos, ou seja, não representam um valor acrescentado para a economia.

A facilidade com a qual muitos jovens decidem aplicar os poucos recursos à disposição em jogos de sorte, demonstra, porém, uma tendência bastante notável: existe, na nossa sociedade, muito pouca aversão ao risco, contrariamente ao que se verifica em sociedades mais maduras, onde a certeza tem um valor despropositado em relação a uma probabilidade, ainda que seja muito alta. Aceita-se o risco somente quando se está perante duas probabilidades de perda, motivo pelo qual se prefere arriscar para não perder nada do que não arriscar e estar certo de perder um pouco, que é exactamente o que acontece actualmente em Angola, onde a alta taxa de inflação tem provocado constantemente o aumento da perda do poder de compra.

Este tipo de investimento, porém, tal como o investimento especulativo, traz poucos benefícios automáticos para a economia de um país, pois não estimula directamente a produção de bens e serviços. As apostas, apesar de provocarem uma grande liquidez para as empresas envolvidas, não contribuem para a criação de novas empresas e novos empregos, ou seja, não representam um valor acrescentado para a economia.

Com o tempo, será importante fomentar alternativas válidas a este tipo de investimentos, criando mecanismos que possam estimular o investimento produtivo, com estruturas que englobam os micro e pequenos investimentos, tal como acontece nas apostas desportivas. Em vários países, têm ganhado cada vez mais espaço as apps de micro-investimentos (como a Moneybox, a Acorns ou a Stash, nos EUA), onde periodicamente são subtraídos da conta bancária dos utentes pequenas quantias (que podem variar de alguns centésimos até 1 USD), que são sucessivamente investidas no mercado, gerando lucros a breve e a longo prazo. O futuro dos investimentos, em Angola, deverá também passar necessariamente por aí.

A facilidade com a qual muitos jovens decidem aplicar os poucos recursos à disposição em jogos de sorte, demonstra, porém, uma tendência bastante notável: existe, na nossa sociedade, muito pouca aversão ao risco, contrariamente ao que se verifica em sociedades mais maduras, onde a certeza tem um valor despropositado em relação a uma probabilidade, ainda que seja muito alta.